1 - O Concílio Vaticano II, na Constituição Dogmática "Lumen Gentium", capítulo VIII, dá-nos uma síntese admirável do mistério da Virgem Mãe de Deus, em sua amplitude, isto é, tanto no mistério de Cristo, como no mistério da Igreja.
2 - E o Concílio vê com alegria que nos Santos Padres sempre prevaleceu o costume de chamar a Mãe de Deus toda santa, imune de toda mancha de pecado, como que plasmada pelo Espírito Santo. Também a Igreja, sabemos, vendo em Maria a discípula mais fiel do Filho amado, sempre se refere a ela como seu modelo de fé, nela contemplando já a plenitude pascal e nela já se encontrando como que realizada.
3 - Na fé da Igreja, a virgindade de Maria não é, como muitos pensam, uma virgindade circunstancial, passageira, somente alusiva, pois, ao parto virginal de Jesus, depois do qual ela então teria gerado outros filhos. Essa hipótese, diria eu, soa como fé rastejante, sem mística e sem mistério. Uma fé capenga, diria ainda.
4 - Vejo muita gente querendo provar por A+B o que acima se diz, quanto a outros filhos de Maria, porém nunca vi tais pessoas preocupadas em saber onde estavam eles na morte de Cristo, uma vez que o Divino Redentor entregou sua mãe aos cuidados do discípulo amado, bem como este aos cuidados da mãe. Seriam então os outros filhos de Maria desnaturados, mesmo gerados no mesmo ventre que gerou Cristo? Repito: só uma fé rastejante e mal esclarecida para admitir tal hipótese.
5 - A virgindade de Maria, como sempre entendeu a Igreja, é virgindade perpétua, ou seja, "virgem antes, durante e depois do parto". Este é o relevo em que se deve colocar a maternidade de Maria, relevo não forçado ou inventado pela Igreja, mas querido e inspirado pelo próprio Deus.
6 - Dizer que essa fé da Igreja subestima a maternidade normal das outras mulheres é simplesmente opor-se aos critérios da justiça e da verdade. E dizer também que a Igreja sempre se serviu da virgindade de Maria para exercer controle sobre as mulheres, é outra declaração insuportável, para não dizer desonesta.
7 - Também na fé da Igreja - saibamos - a virgindade de Maria não foi apenas física, do corpo, mas também espiritual. Do corpo, como diz São Bernardo, pela virgindade; do espírito, pela humildade.
8 - Todos os privilégios de Maria, como a maternidade divina, sua virgindade perpétua, a imaculada conceição, como também sua gloriosa assunção ao céu, dons de Deus e não méritos pessoais da Virgem, sempre foram vividos na fé pelo povo de Deus, independentemente de afirmações dogmáticas. Não também na clareza de conceitos, que o povo simples não sabe formular, mas com a intuição própria de filhos diante de uma Mãe tão admirável.
9 - Ao lado, porém, do povo simples, sem erudição teológica, surgem também os grandes luminares da Igreja, os santos de todos os tempos, proclamando em seus sermões e escritos os louvores da Santa Mãe de Deus, como que deixando realizar-se em todos a profecia da própria Virgem, sobre si mesma: "Todas as gerações me chamarão bem-aventurada", explicando: "porque o Senhor fez em mim grandes maravilhas".
10 - Comungando então a fé perene da Igreja, quanto à virgindade perpétua de Maria, vai afirmar São Guerrico: "Maria deu à luz um Filho único. Assim como ele é Filho único de seu Pai nos céus, é também Filho único de sua mãe na terra". E ainda: "Suas entranhas, fecundadas uma só vez, mas nunca estéreis, jamais se cansam de dar à luz frutos de piedade".
11 - E eu então acrescentaria: Em dúplice parto, virginal, Maria deu à luz. No primeiro, ao Filho de Deus, na gruta de Belém, sem as dores normais de todo parto; no segundo, em pleno Calvário, o parto então doloroso, não físico, mas espiritual, em que nos gera como filhos espirituais, como revelado e sustentado pelo próprio Filho.
12 - Também São Bernardo, falando da virgindade de Maria, vai afirmar: "Deus a escolheu dentre todas, não pouco antes, nem por acaso encontrada, mas eleita desde o princípio dos séculos. Concedeu à Virgem a fecundidade, Ele que, antes, já lhe inspirara o voto de virgindade".
13 - Aqui São Bernardo nos ensina que não devemos ver Maria como uma virgem simplesmente encontrada em Israel dentre tantas outras, também virtuosas, mas devemos ver sim Maria como virgem eleita, preparada e plasmada pelo próprio Deus para ser a mãe de seu Filho, criada, pois, para responder às exigências divinas de uma maternidade divina, de acordo, sim, com a natureza de Deus.
14 - Pensar, pois, que, se Maria não tivesse dito o "sim" ao Anjo, Deus tê-lo-ia enviado a qualquer outra mulher virtuosa, de Israel, seria ingenuidade demais, ou inteligência de menos. E São Bernardo ainda nos lembra: "Maria pronuncia uma palavra e concebe a Palavra; diz uma palavra passageira e abraça a Palavra eterna".
15 - Já Santo Anselmo, fazendo parte também do coro dos que honram a Santa Mãe de Deus, vai nos ensinar: "Pela plenitude de tua graça aqueles que estavam na mansão dos mortos, alegram-se, agora libertos; e os que estavam acima do céu rejubilam-se renovados". "Deus deu a Maria o seu próprio Filho, único gerado de seu coração, igual a si..." "Deus, que tudo fez, formou-se a si próprio no seio de Maria". E São Germano de Constantinopla, comentando a Assunção de Maria, diz: "Tu - está escrito - surges com beleza , e teu corpo virginal é todo santo, todo casto, todo morada de Deus".
16 - Eis, pois, aqui uma pequena gota do oceano imenso em que Deus, com pura liberdade, mergulhou Maria, sua pobre e dileta serva. Que ela, pois, rogue mais uma vez por nós, e que possamos, como ela, desejar uma vida sempre em Deus, atirando-nos nas águas mais profundas do seu amor e de seu mistério infinito. Amém.
João de Araújo