Pequeno estudo sobre o Espírito Santo

COM O ESPÍRITO SANTO NO NOVO MILÊNIO
(Considerações sobre o Espírito Santo)

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

espirito-santo.jpg1 - Neste novo milênio, a Igreja se volta para o Espírito Santo (ES), não só na busca da força e energia de Deus para continuar a sua missão, na fidelidade a Cristo e ao projeto salvífico do Pai, mas também no reconhecimento de que, sem a luz do Espírito de Deus, não poderá ela ser luz e sinal referencial de salvação para o mundo, como sacramento de unidade para todo o gênero humano, conforme a descreveu o Concílio Vaticano II.

2 - O ES é pouco conhecido em seu mistério, permanecendo para muitos como o "Deus desconhecido". Reconhece o episcopado latino-americano que "pouco se prega sobre ele", como pouco também sobre ele se reflete, sendo que ele, já desde o início da criação, pairava sobre tudo o que foi criado (cf. Gn 1,2).

3 - Sabe-se que o Espírito do Senhor, que enche o universo (Sb 1,7), assumiu o que há de bom em nossas vidas e em nossas culturas, e isto em dimensão universal, inserindo também na história humana o princípio de salvação. Chamado por Jesus de "Espírito da Verdade" (Jo 16,13), o ES é o principal evangelizador, que reúne na unidade e enriquece na diversidade. Exaltado à direita do Pai, Cristo Ressuscitado infunde o seu Espírito sobre os Apóstolos e sobre todos os que foram chamados à vocação cristã. Assim, a nova aliança se interioriza pelo ES, na lei da graça e da liberdade, que ele escreveu em nossos corações (cf. Jr 31,33).

NOÇÕES TEOLÓGICAS SOBRE O MISTÉRIO TRINITÁRIO

4 - No discurso da Ceia Pascal (cf. Jo 13,1-16,33), a revelação do mistério trinitário atinge o seu ápice, e é próprio de João nomear claramente as pessoas da Trindade (cf. Jo 16,13-15). A revelação abre-nos, pois, um vasto horizonte para a compreensão teológica de tão altíssimo mistério. Vejamos: na sua vida íntima, "Deus é Amor" (1Jo 4,8.16), amor essencial, comum às três pessoas divinas. Amor pessoal é o ES, como Espírito do Pai e do Filho. Amor-Dom incriado, que perscruta as profundezas de Deus (cf. 1Cor 2,10). O ES é, pois, a expressão pessoal do "Ser-Amor" de Deus. É Pessoa-Amor, Pessoa-Dom. Enquanto consubstancial ao Pai e ao Filho na divindade é Amor e Dom incriado, do qual deriva como de uma fonte. Por isso, São Paulo vai dizer: "E a esperança não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo ES que nos foi dado (Rm 5,5).

5 - A revelação, pois, nos ensina que o nosso Deus é um Deus único e verdadeiro, porém três são as pessoas divinas: Pai, Filho e Espírito Santo (cf. 2Ts 2,13-14; 2Cor 1,21-22; 13,13p). As pessoas da Trindade possuem a mesma natureza, a mesma essência, a mesma substância, os mesmos atributos divinos, mas são realmente distintas. Assim, o Pai não é o Filho, o Filho é distinto do Espírito Santo, mas o Pai está todo no Filho, o Filho está todo no Pai, assim como o Espírito Santo está todo no Pai e no Filho.

6 - Três são os que dão testemunho (no Céu) - diz a Escritura - :o Pai, o Filho e o Espírito Santo, e esses três são um só (1Jo 5,7-Vulg.). O ES procede do Pai e do Filho (cf. Jo 14,26; 15,26; 16,7.14-15; Ap 22,1), como Dom incriado e, pelo Pai e pelo Filho, é enviado para iluminar, fortificar e santificar a Igreja (Jo 14,26). Vê-se que, como o ES procede do Pai e do Filho, também pelo Pai e pelo Filho é enviado (Jo 14,26; 16,7.15). O Filho, por sua vez, gerado pelo Pai (cf. Jo 3,16; 16,28; Rm 8,32; 1Jo 5,5.9-12.20p), somente pelo Pai é enviado (1Jo 4,9.14; Jo 17,18). As processões das pessoas da Trindade explicam, pois, a sua missão divina, mas não se prendem a esta, pois o Filho e o ES poderiam não ter vindo à Terra, se outro fosse o desígnio de Deus. Em outras palavras, as processões são ontológicas, essenciais, ao passo que a missão das pessoas divinas diz respeito apenas às obras operadas por Deus, como a criação e a redenção.

7 - Pelo que vimos acima, duas, pois, são as processões das pessoas da Trindade: a do Filho, gerado pelo Pai, e a do ES, que procede do Pai e do Filho, esta - a do ES - não por criação, nem por geração. Eis um mistério de vastíssima grandeza, que exige, para a sua compreensão, uma inteligência infinita, elevada ao infinito. De tal mistério, aqui, só podemos ter noções, mas a sua compreensão total vamos ter na eternidade.

8 - Para clarear um pouco mais, podemos dizer que as processões podem ser de duas características: interna e externa. A água, p. ex., se origina da fonte, e dela se afasta (processão externa). A ideia nasce do entendimento, e nele fica (processão interna). A processão das pessoas divinas se situa, pois, na ordem interna . Assim, quando se afirma que o Filho é gerado pelo Pai, diz-se, por analogia, que ele tem origem na mente, no entendimento e na inteligência do Pai, sendo, pois, sua Palavra, seu Verbo eterno, sua Sabedoria infinita. É isto mais ou menos que São João quer dizer no Evangelho, quando diz: "E o Verbo se fez carne e habitou entre nós" (Jo 1,14), como também: "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava em Deus e o Verbo era Deus. No princípio, ele estava com Deus" (Jo 1,1-2). Vê-se aqui que o Filho é, pois, gerado pelo Pai, e permanece eternamente nele (processão interna), como se nota também em Jo 14,10-11.20; 17,5.

9 - Dizemos que o ES procede do Pai e do Filho, não como de dois princípios, mas de um único princípio, porque Pai e Filho são um só Deus. Não é como na natureza humana, que procedemos de dois princípios: paterno e materno. O ES procede, assim, da vontade do Pai e do Filho, e como o Pai e o Filho se amam ardorosa e eternamente, o ES é fruto desse amor divino, eterno e indizível. Por isso, o ES é a irradiação do amor santo de Deus, e sua missão é justamente santificar. Permanece, pois, no Pai e no Filho, em mistério sublime de amor.

10 - Já o Pai, no mistério trinitário, é princípio sem princípio, origem sem origem, a fonte vital do amor e da vida. Ele, e somente Ele, é "Pai essencial", a única fonte de paternidade, no céu e na terra. Não é enviado, como o Filho e o ES, mas sua vontade paterna é que move e dinamiza tanto a criação como a Redenção.

NOME, DENOMINAÇÕES E SÍMBOLOS DO ESPÍRITO SANTO

Referências bíblicas e de uso litúrgico

11 - Espírito Santo é o nome próprio daquele que adoramos e glorificamos com o Pai e o Filho. A Igreja o recebeu do Senhor e o professa no Batismo de seus novos filhos (Cf. Mt 28,19). Nos Símbolos de fé, tanto no Apostólico, como no Niceno-Constantinopolitano, a Igreja professa, de maneira solene, a sua fé no ES.

12 - "Paráclito" é o apelativo que Cristo dá ao ES, ao anunciar e prometer a sua vinda. Literalmente, Paráclito quer dizer "aquele que é chamado para perto de", ou seja, "advogado", comumente traduzido por "Consolador". Também, além do seu nome próprio, que é o mais empregado, tanto nos Atos dos Apóstolos como nas Epístolas, encontram-se em São Paulo as denominações: Espírito da promessa (Gl 3,14; Ef 1,13; e também At 2,33); Espírito de adoção (Rm 8,15; Gl 4,6); Espírito de Cristo (Rm 8,11); Espírito do Senhor (2 Cor 3,17); Espírito de Deus (Rm 8,9.14; 1Cor 6,11; 7,40); e, em São Pedro, Espírito de glória (1Pd 4,14).

Símbolos do Espírito Santo

13 - Na vida da Igreja e nos tempos bíblicos, principalmente no Novo Testamento, estes são os símbolos do ES, litúrgica e teologicamente consagrados:

a) A água

É um elemento significativo da ação do ES no Batismo (1Cor 12,13 = todos bebemos de um só espírito); água viva que jorra do Cristo Crucificado (Jo 19,34), como fonte que em nós jorra para a vida eterna (Jo 4,10-14; 7,37-38; Ex 17,1-6; Is 12,3; 55,1; Zc 14,8; 1Cor 10,4; Ap 21,6; 22,17), e no renascimento necessário para se entrar no Reino do Céu (Jo 3,5).

b) A unção

É simbolismo significativo do ES, ao ponto de tornar-se sinônimo dele (2Cor 1,21-22; 1Jo 2,20.27).

c) O fogo

Simboliza a força transformadora dos atos do ES, como um verdadeiro fogo (Ex 24,17; 40,38; Eclo 48,1; 1Rs 18,38-39; Lc 1,17; 3,16; 12,49; At 2,3-4; 1Ts 5,19).

d) A nuvem e a luz

Estes dois símbolos são inseparáveis nas manifestações do ES: nas teofanias do Antigo Testamento (Ex 24,15-18); na Tenda de Reunião (Ex 33,9-10); e durante a caminhada do deserto (Ex 40,36-38); por ocasião da dedicação do Templo (1Rs 8,10-12). Todas estas figuras foram cumpridas por Cristo, no ES.

e) O selo

É um símbolo próximo ao da unção. Com efeito, é Cristo (ungido) que Deus marcou com o seu selo (Jo 6,27), e é nele que o Pai nos marca também (2Cor 1,22; Ef 1,13; 4,30). Por indicar o efeito indelével da unção do ES nos sacramentos do Batismo, da Crisma e da Ordem, a imagem do selo tem sido utilizada para exprimir o caráter indelével impresso por esses três sacramentos, que não podem ser reiterados.

f) A mão

É pela imposição das mãos dos Apóstolos que o ES é dado (At 8,17-19; 13,3; 19,6).

g) O dedo

É pelo dedo de Deus que Jesus expulsa os demônios (Lc 11,20); a Lei de Deus foi escrita na pedra pelo dedo de Deus (Ex 31,18); a carta de Cristo (que somos nós), entregue aos Apóstolos, não foi escrita com tinta, nem em tábuas de pedra, mas nos corações, pelo ES (2Cor 3,3). Além disso, o hino litúrgico "Venni, Creator Spiritus" invoca o ES como "Digitus paternae dexterae", ou seja, "dedo da direita paterna".

h) A pomba

No fim do dilúvio, que é símbolo ligado ao Batismo, a pomba, solta por Noé, volta, anunciando a vida (Gn 8,8-12). Quando Cristo sobe da água de seu batismo, o ES, em forma de pomba, desce sobre ele e sobre ele permanece (Mt 3,16; Mc 1,10; Lc 3,22). O símbolo da pomba, para sugerir o ES, é tradicional na iconografia cristã.


O ESPÍRITO DO PAI E DO FILHO, DADO À IGREJA

14 - No Evangelho de Lucas encontramos, desde o início, revelações da ação do ES: através de Zacarias (1,15.67); do Anjo (1,35); de Isabel (1,41); de Simeão (1,25-27); como também, implicitamente, nas palavras da profetisa Ana (1,38). Em Lucas (Ev e At), como também principalmente em São Paulo, superabundam, pois, as referências ao ES. Assim temos, no que diz respeito:


• ao Batismo (1Cor 6,11; Rm 6,4; Tt 3,5; At 1,5; 2,38; 19,2-6)

• ao governo da Igreja (At 20,28)

• à escolha de Paulo e Barnabé (At 13,2)

• à presença na Igreja (At 1,8; 2,1-21)

E também:

• para conhecimento das coisas de Deus (1Cor 2,12-14)

• para pedirmos a Deus o que é essencial (Rm 8,26-27)

• necessidade do ES para se pertencer a Cristo e à Igreja (Rm 8,9)

• o cristão, em graça, é templo de Deus (1Cor 3,16; 6,19; Cf. Jo 14,23)

• o ES é autor de tudo o que temos e realizamos de bom e de útil para nós e para os outros (Gl 5,25)

• na ressurreição final, retomaremos nosso corpo glorificado por meio do ES (Rm 8,9-11)

A Igreja é um corpo, com muitos membros. Cada membro é, porém, diferente e único. Cada um tem uma função específica, de unidade na diversidade. Somente o ES produz os dons necessários e opera na riqueza da diversidade (cf. 1Cor 12,1-11).

15 - O Concílio Vaticano II, acontecimento máximo da Igreja em nosso tempo, enfatiza a ação e a presença do ES na Igreja, aludindo-se a ele como Senhor e fonte de vida, a congregar toda a Igreja, como princípio de unidade na doutrina dos Apóstolos, na fração do pão e nas orações (cf. At 2,42). Para todos os tempos, o ES unifica a Igreja, na comunhão e no ministério, dotando-a com vários dons hierárquicos e carismáticos, conforme se falou acima. Assim, o ES assume a Igreja, constituindo-a órgão de redenção, do mesmo modo que o Verbo de Deus assumiu a nossa humanidade.

REVELAÇÕES DO ESPÍRITO SANTO NAS PALAVRAS DE CRISTO

A promessa da água viva

16 - A Igreja professa a sua fé no ES como aquele "que é Senhor e fonte de vida", conforme reza o Símbolo da Fé, chamado "Niceno-Constantinopolitano". E ela se inspira nas palavras da própria fonte, Jesus Cristo (Jo 7,37-39), aplicando a si profecias do Antigo Testamento (cf. Is 12,3; 44,3; 55,1; 58,11; Ez 47,1; Zc 13,1; 14,8; Jl 4,18).

É a mesma analogia usada por Jesus no diálogo com a samaritana (Jo 4,13-14) e com Nicodemos (Jo 3,5). A comunhão do ES, que se coloca no início da missa (cf. 2Cor 13,13), enfatiza o mesmo ES como fonte essencial de unidade. E a Igreja sempre foi, assim, estimulada a perscrutar cada vez mais o mistério trinitário do próprio Deus, seguindo o itinerário evangélico, patrístico e litúrgico: "Ao Pai - por Cristo - no ES".

Promessa e revelação durante a Ceia Pascal

17 - Durante a Ceia Pascal, Jesus anunciou aos Apóstolos "um outro consolador" (Jo 14,13-16). "Outro", porque ele próprio (segundo 1Jo 2,1), era o primeiro Consolador. Logo depois acrescenta que o Consolador ensinará e recordará tudo o que ele disse (Jo 14,26), levando os Apóstolos a darem dele testemunho, por estarem com ele desde o princípio (Jo 15,26-27). Esse testemunho humano, ocular e histórico, dos Apóstolos (cf. 1Jo 1,1-3; 4,14; 2Pd 1,16-18), andará ligado ao testemunho do ES (Jo 16,7-15).

O Messias ungido pelo Espírito Santo

18 - Messias significa ungido, e, na história da salvação, "ungido com o ES" (At 10,38; Lc 4,18; Is 11,1-3). O texto de Isaías é importante para se passar do conceito bíblico de "espírito=sopro" ao conceito fundamental de "pessoa". Segundo Isaías, o "Ungido" e o "Enviado" juntamente com o Espírito do Senhor, é também o eleito "Servo Sofredor" (Is 42,1; 49,1-6; 50,4-8; 52,13). Os textos proféticos aqui apresentados devem ser lidos à luz do Evangelho.

Jesus de Nazaré, "elevado" no ES

19 - Não recebido como Messias em Nazaré, ao iniciar a sua atividade pública foi revelada a sua missão messiânica, no ES, por João Batista, junto ao Jordão (Lc 3,16; Mt 3,11; Mc 1,7; Jo 1,33). Para João Batista, Cristo não é apenas aquele que "vem" com o ES, mas aquele que também é "portador" do ES. Assim, é elevado aos olhos de Israel como "Messias", ou seja, ungido do Senhor.

20 - Significativo é notar que na teofania do Jordão, a exaltação solene de Cristo não se reduz à sua missão messiânica, mas alcança o mistério de sua pessoa: ele é exaltado porque é Filho da complacência divina (Mt 3,17). Lucas, que sempre apresenta Jesus "repleto" do ES (Lc 4,1p), ao falar da alegria dos discípulos na volta da missão a eles confiada, diz-nos que Jesus exultou também de alegria no ES, e disse: "Eu te dou graças, ó Pai..." (Lc 10,21).

21 - O ponto culminante do mistério do ES como Pessoa-Dom dá-se no dia da ressurreição, pois aqui Cristo é constituído Filho de Deus, com todo o poder, segundo o Espírito de santificação, mediante a ressurreição dos mortos (Rm 1,3-5). E, uma vez ressuscitado, Cristo vai "soprar" sobre os apóstolos, com o poder de que se fala aqui. "Trazendo-lhes" o ES, como que inaugura uma nova criação, mediante sua "partida", ou seja, através das feridas da crucifixão. De fato, mostrando-lhes as mãos e o lado, diz: "Recebei o ES" (Jo 20,20-22).

O Espírito Santo e o tempo da Igreja

22 - Consumada a obra que o Pai tinha confiado ao Filho sobre a terra (Cf. Jo 17,4), no dia de Pentecostes foi enviado o ES, para santificar continuamente a Igreja, e, assim, os que viessem a acreditar, tivessem, mediante Cristo, "acesso ao Pai, num só Espírito" (Ef 2,18; LG 4). É deste modo que o Concílio Vaticano II fala da da manifestação da Igreja no dia de Pentecostes, isto é, sua Epifania como sinal de salvação para o mundo, também em LG 2, numa referência a Is 11,12. Assim, harmonizando e identificando a missão de Cristo com a da Igreja, no Tempo  do Natal a liturgia vai celebrar a Solenidade da Epifania do Senhor como o salvador o mundo, e na Solenidade de Pentecostes, encerrando o ciclo pascal, a liturgia celebra a epifania (manifestação) da Igreja como o sinal da salvação trazida pelo seu Senhor. Quanto ao nascimento da Igreja, o Concílio, em SC 5b, afirma, citando Santo Agostinho: "Pois do lado de Cristo adormecido na cruz nasceu o admirável sacramento de toda a Igreja". E acrescentamos: "Como Eva nascera do lado de Adão, adormecido".     

23 - O tempo da Igreja teve início, assim, com a "vinda", isto é, com a descida do ES sobre os Apóstolos, reunidos com Maria, a Mãe do Senhor, no Cenáculo (At 1,14). A partir daí, podemos dizer, o ES habita na Igreja e nos corações dos fiéis como num templo (1Cor 3,16; 6,19); nos fiéis ora e dá testemunho da sua adoção filial (Gl 4,6; Rm 8,15-16). Ele introduz a Igreja no conhecimento de toda a verdade (Jo 16,13).

24 - O Concílio Vaticano II foi, como já se falou, o grande acontecimento eclesial de nosso tempo, um concílio eclesiológico, isto é, com a temática voltada especialmente sobre a Igreja, mas não deixou de ser também essencialmente pneumatológico, pois, no seu rico magistério, contém praticamente tudo o "que o Espírito diz às Igrejas" (Ap 2,29; 3,6.13.22).

O ESPÍRITO QUE CONVENCE O MUNDO

Pecado, justiça e juízo

25 - No Cenáculo, Jesus, além de anunciar a "vinda" do ES, em vista de sua "partida", no mesmo contexto acrescenta: "E ele, quando vier, convencerá o mundo quanto ao pecado, quanto à justiça e quanto ao juízo" (Jo 16,8). E explica: "Quanto ao pecado, porque não crêem em mim; quanto à justiça, porque eu vou para o Pai e não me vereis mais; e quanto ao juízo, porque o príncipe deste mundo já está julgado" (Jo 16,8-11).

26 - No pensamento de Jesus, o pecado, a justiça e o juízo têm um sentido bem preciso. Isto quer dizer também como deve ser entendido aquele "convencer o mundo", que é próprio da ação do ES. Aqui tudo é importante: o significado de cada palavra, como o fato de Jesus as ter unido na mesma frase.

27 - Vamos aos pormenores: nesta passagem, "pecado" significa a incredulidade que Jesus encontrou no meio dos "seus", a começar pelos conterrâneos de Nazaré, rejeição que levará os homens a condená-lo à morte. Quando fala, em seguida, de "justiça", Jesus parece ter em mente aquela justiça definitiva que o Pai lhe fará, revestindo-o da glória pascal: "Vou para o Pai" (Jo 16,28). No contexto do pecado e da justiça, assim entendido, o "juízo" significa, por sua vez, que o Espírito da Verdade demonstrará a culpa do "mundo" na condenação de Jesus à morte de cruz. No entanto, Jesus não veio ao mundo para o julgar e condenar: ele veio para salvá-lo (Jo 3,17; 12,47).

28 - O convencer, pois, quanto ao pecado e quanto à justiça tem como finalidade a salvação dos homens. Aqui, acentua-se, pois, que o "juízo" afeta somente o príncipe deste mundo, ou seja, Satanás, aquele que, desde o princípio, explora a obra da criação contra o projeto salvífico de Deus.

29 - O ES, que assume do Filho a obra da redenção, assume, assim, a função de "convencer quanto ao pecado", em ordem à salvação, ou seja, em constante referência à "justiça", que é a salvação definitiva em Deus. Esta operação salvífica de Deus no ES subtrai, em certo sentido, o homem ao "juízo", à condenação, com que foi punido Satanás, o dominador do mundo tenebroso (Ef 6,12).

30 - Na cruz, o ES mostra o pecado "cravado", salvo ("Ó feliz culpa!"), como canta o hino do Exultet, na noite da Vigília Pascal, o que não acontece, porém, com o pecado de Satanás, já julgado e condenado. Também a realidade do pecado original se encontra aqui, na mesma dimensão, como vemos em Gn 3,1-3. Pode-se dizer que no pecado original tem início o "mistério da iniquidade"(cf. 2Ts 2,7), que é vencido pelo "mistério da piedade" (cf. 1Tm 3,16), conforme nos revela a Escritura (Rm 5,18-19; Is 53,11).

O Espírito que transforma o sofrimento em amor salvífico

31 - O pecado, porque é rejeição do amor, gerou o sofrimento, que se estendeu a toda criação (cf. Rm 8,20-22), mas o ES entrará no sofrimento humano e cósmico com uma nova efusão de amor, tornando-o também "valor salvífico", e nos lábios do Redentor, em cuja humanidade se concretiza o "sofrimento de Deus", vai ressoar uma palavra que manifesta o amor eterno de Deus (Jr 31,3; Is 54,8): "Tenho compaixão" (cf. Mt 15,32; Mc 8,2).

32 - Vejam: assim como Elias pediu ao Céu que mandasse fogo para consumir o seu sacrifício (cf. 1Rs 19,36-38), assim também, no Calvário, podemos dizer que desceu o fogo de Deus, isto é, o ES, transformando o sofrimento de Cristo, sacrifício divino, em oferta de eterna redenção. Unido, pois, ao sacrifício de Cristo, todo sofrimento humano se torna, agora, amor salvífico. No ES, que "sopra onde quer" (Jo 3,8), e que é "luz dos corações", é que se operam tais maravilhas de Deus.

O pecado contra o ES

33 - O que se falou, até aqui, do ES, dá-nos - acredito - um pouco de luz, para compreendermos algumas palavras de Jesus, impressionantes e surpreendentes. Trata-se das palavras que poderíamos chamar do "não-perdão", ou blasfêmia contra o ES. Elas foram expressas na tríplice redação dos sinóticos (Mt 12,31; Mc 3,29; Lc 12,10).

34 - Por que a blasfêmia contra o ES é imperdoável? Em que sentido entender esta blasfêmia? Santo Tomaz de Aquino responde que se trata de um pecado "imperdoável por sua própria natureza, porque exclui aqueles elementos aos quais é concedida a remissão dos pecados".

35 - Tal entendimento nos diz que a blasfêmia, no caso, não consiste propriamente em ofender o ES com palavras. Consiste, isto sim, na recusa de aceitar a salvação que Deus oferece ao homem, mediante o ES, agindo em virtude do sacrifício da cruz. Se o homem rejeita deixar-se "convencer quanto ao pecado", convencimento que vem do ES, e tem valor salvífico, ele rejeita a "vinda do Consolador", que "purifica a consciência das obras mortas" (Cf. Hb 9,14), dando-lhe, ao mesmo tempo, a capacidade cristã de prestar um culto ao Deus vivo. E, assim, nessa rejeição deliberada, iludindo-se a si mesmo em "não se ver pecador", tal homem não sentirá também carência de misericórdia, o que o fará fugir de toda sensibilidade quanto ao amor gratuito de Deus. É como o doente que rejeita todo tratamento médico. Nesse caso, o médico só o vê "caminhando para a morte", sem poder fazer nada por ele.

36 - Dizendo Jesus que o pecado contra o ES não pode ser perdoado nem nesta vida nem na futura, revela-nos que a "não remissão" está ligada, como a sua causa, à "não penitência", ou seja, à recusa radical a converter-se. As fontes da redenção, desprezadas pelo não-penitente, continuam, porém, abertas na economia da salvação, na qual se realiza a missão do ES.

37 - A Igreja não cessa de implorar a Deus a graça para que não falte nunca a "retidão das consciências", e que estas nunca se deixem embotar pela insensibilidade humana, diante do bem e do mal. Como disse Pio XII, o maior pecado de nosso tempo é "a perda da consciência do pecado". São Paulo exprime esta mesma preocupação quando diz: "Não extingais o Espírito!" e "Não contristeis o ES" (1Ts 5,19; Ef 4,30).

O ESPÍRITO QUE DÁ A VIDA

O grande aniversário

38 - O pensamento e o coração da Igreja se voltam, sempre, para o ES. E agora, já no terceiro milênio, com muita vivacidade a Igreja se coloca na sombra do Espírito, pois já estamos na "plenitude dos tempos", como diz São Paulo (Gl 4,4), e esta plenitude se inicia com a Encarnação do Verbo de Deus, por obra do ES (Lc 1,34-35; Mt 1,18).

39 - Se o grande Jubileu, com que se concluiu o segundo milênio, teve, inicialmente, um perfil cristológico, pois visava celebrar o nascimento de Cristo, ao mesmo tempo, porém, teve um perfil pneumatológico, dado que o mistério da Encarnação se realizou "por obra do ES", por vontade do Pai. Podemos dizer que, na vida da Igreja, esse perfil terá sempre um caráter trinitário, como também se nota nas afirmações acima. Aqui se delineia, pois, um perfil trinitário que será constante na vida da Igreja, pois à "plenitude dos tempos" corresponde, efetivamente, uma particular plenitude da autocomunicação do Deus uno e trino, no ES.

40 - Quando o ES encontra um coração aberto, como o de Maria, então Deus realiza aí maravilhas indizíveis. Maria, como o templo mais puro do ES, torna possível a inefável autocomunicação de Deus, que é Dom para o coração humano. São Paulo diz: "O Senhor é espírito, e onde está o espírito do Senhor, aí há liberdade"(2Cor 3,17).

Manifestou-se a graça de Deus (Tt 2,11)

41 - No mistério da Encarnação, a obra do Espírito, que dá a vida, atinge a sua culminância. E a vida, que está em Deus, de modo pleno, se faz vida humana, no mistério do Deus-Homem. O Verbo, "gerado antes de toda criatura" (Cl 1,15), torna-se o "primogênito entre muitos irmãos" (Rm 8,29).

A luta interior do ser humano: carne x espírito

42 - A proximidade e presença de Deus, no homem e no mundo, depara, na história da salvação, com resistência e oposição. Simeão, movido pelo ES, foi ao Templo, e, diante do recém-nascido de Belém, revelou-nos tal contradição (cf. Lc 2,27.34). Cristo será, pois, "pedra de tropeço" para muitos, como também "mão que levanta para os esplendores da eternidade divina".

43 - A luta, como acima se falou, faz parte da herança do pecado, que sempre quis apoderar-se do coração humano. São Paulo descreve toda a trama, enumerando "as obras da carne", e contrapondo a estas o "fruto do Espírito" (cf. Gl 5,16-24). Aqui São Paulo não condena o corpo, o qual, juntamente com a alma espiritual, constitui a natureza humana. "Obras", para São Paulo, são aqui disposições estáveis, moralmente boas ou más, fruto de submissão ou de resistência à ação salvífica do ES. Os que vivem segundo o Espírito são, pois, diferentes dos que vivem segundo a carne (Rm 8,5-13). Na contraposição paulina do "espírito" e da "carne", vê-se também a contraposição da "vida" e da "morte".

O ES no fortalecimento do homem interior

44 - Testemunha permanente da ressurreição de Cristo (que revelou o poder do ES, como aquele que dá a vida, como já o fizera na Encarnação do Verbo), a Igreja anuncia a vida, que se manifestou para além das fronteiras da morte. Em nome, pois, da ressurreição de Cristo, a Igreja põe-se a serviço da vida, em todas as suas manifestações, certa de fazer a vontade de Deus, na segurança dos ensinamentos bíblicos (cf. Jo 10,10).

45 - Já na plena realidade do terceiro milênio do nascimento de Cristo, trata-se, pois, de fazer com que, longe dos determinismos puramente humanos, sociológicos e culturais, se realize no nosso mundo, sob a ação do ES, um verdadeiro amadurecimento da humanidade, tanto na vida individual quanto na comunitária. Na unidade pedida ao Pai (Jo 17,20-23), Jesus nos sugeriu que existe uma certa semelhança entre a união das pessoas divinas e a união dos filhos de Deus, na verdade e na caridade.

A Igreja, sacramento da íntima união com Deus

46 - A Igreja deseja penetrar na própria essência de sua constituição divino-humana, pelo influxo do ES, neste final de milênio, para exercer com mais dinamismo e fervor a sua missão. Aqui ela volta a contemplar o discurso do Cenáculo, onde a "partida" de Cristo se liga em essência à sua nova "vinda", não só no fim dos tempos, mas também na vinda pelo ES, a fim de estar com ela para sempre.

47 - A expressão sacramental mais completa da "partida" de Cristo, por meio do mistério da cruz e ressurreição, é a Eucaristia. De fato, na Eucaristia, toda vez que é celebrada, realiza-se sacramentalmente não só a vinda de Cristo e sua presença salvífica, mas também tornam-se presentes todos os atos redentores de Deus em seu projeto salvífico. Vejamos ainda: na primeira epiclese da oração eucarística (invocação do ES), a Igreja pede a Deus que envie o ES, para que as espécies do pão e do vinho se tornem o Corpo e o Sangue do Senhor. Já na segunda epiclese (invocação), ela pede que, comungando nós do Corpo e do Sangue do Senhor, nas espécies visíveis e sensíveis do pão e do vinho, sejamos nós um só corpo e um só Espírito, formando assim o Corpo Místico de Cristo, a Igreja, razão principal de toda a celebração eucarística.

48 - Mediante a Eucaristia, o ES leva a efeito aquele fortalecimento do homem interior de que fala São Paulo (Ef 3,16). Por isso, os primeiros cristãos, desde aqueles dias que se seguiram à descida do ES, eram assíduos à fração do pão, à comunhão fraterna e à oração, formando assim uma comunidade unida no ensino dos Apóstolos (cf. At 2,42).

O Espírito e a Esposa dizem ao Senhor Jesus: "Vem!" - Ap 22,17

49 - O sopro da vida divina, o ES, exprime-se e se faz ouvir, da forma mais simples e comum, na oração. É belo e salutar pensar e saber que, onde quer que se reze, aí está o Espírito de Deus, sopro vital de oração. Em muitos casos, sob a ação do ES, a oração, o canto, a salmodia, apesar até mesmo de perseguições, sobem do coração humano ao louvor de Deus, com ressonância nas mansões eternas do Céu.

50 - Pelo impulso do ES, a oração é sempre a voz dos que não têm voz, o clamor dos oprimidos, que o Senhor nunca deixa de ouvir. A oração no ES revela também o abismo que é o coração do homem: uma profundidade, sim, que vem de Deus e que somente Deus pode preencher, precisamente pelo ES. Pela oração, Deus não nos dá apenas coisas, mas o próprio Espírito divino (Lc 11,13).

51 - E quando, como diz São Paulo, não sabemos como pedir, o ES vem em socorro de nossa fraqueza (Rm 8,26) e não só nos leva a rezar com dignidade, mas também nos guia na verdadeira oração, dando-nos um coração verdadeiramente orante (cf. Rm 8,27).

52 - Com Maria, a Igreja persevera na oração. Esta união da Igreja orante com a Mãe de Cristo faz parte do mistério da própria Igreja. Em união, pois, com Maria, a Igreja se volta continuamente como Esposa para o seu divino Esposo, conforme atestam as palavras do Apocalipse: "O Espírito Santo e a Esposa dizem ao Senhor Jesus: Vem!" (Ap 22,17)

53 - Concluindo, pode-se dizer: O ES não cessa nunca de ser o guarda da esperança no coração humano: da esperança de todas as criaturas humanas e especialmente daquelas que "possuem as primícias do Espírito", e "aguardam a redenção de seu corpo" (Rm 8,22-23). É aí que ele se torna - como proclama a seqüência litúrgica da solenidade de Pentecostes - "pai dos pobres, distribuidor dos dons e luz dos corações".

54 - Agora, com palavras de um patriarca oriental, podemos encerrar, dizendo: "Sem o Espírito Santo, Deus está distante. O Cristo permanece no passado. O Evangelho, uma letra morta. A Igreja, uma simples instituição. A autoridade, um poder. A missão, uma propaganda. O culto, um arcaísmo. A ação moral, uma ação de escravos. Mas, no Espírito Santo, o cosmos é enobrecido pela geração do Reino. O Cristo ressuscitado se faz presente. O Evangelho se faz força do Reino. A Igreja realiza a comunhão trinitária. A autoridade se transforma em serviço. A liturgia é memorial e antecipação. A ação humana se deifica".


BIBLIOGRAFIA

1. Compêndio do Concílio Vaticano II

2. CELAM - Documento de Puebla

3. CELAM - Documento de São Domingos

4. A Igreja do Deus Vivo ( Vozes)

5. O Espírito Santo na vida da Igreja e do mundo (João Paulo II)

6. Catecismo da Igreja Católica

João de Araújo

 
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