Chega a tarde, Senhor, mais uma vez, trazendo-me ela sua brisa mansa e serena, como também, às vezes, sua nostalgia. Lembra-me a tarde a vida que não tem ocaso, o dia sem fim. Percebo o dia então morrendo, para dar lugar à noite. O sol já nele brilhou, jorrando para todos os seus raios vitais. Contemplando-o ainda no horizonte, como uma fornalha ardente, vem-me à mente o louvor bíblico: “Do nascer do sol até o seu ocaso, louvado seja o nome do Senhor!” (cf. Sl 113[112],3). Nos últimos clarões então do dia, minha atenção se volta para a noite que se aproxima. Tu sabes, Senhor, a noite permite que enxerguemos mais longe, que vejamos as estrelas, como ainda outros brilhos, que se encontram aos milhões no universo criado. Penso então naquela vida mais plena, vida cheia de vida, porque eternamente mergulhada no mistério de teu amor. E me vejo invadido por saudades, meu Deus, invadido por saudades de ti!
No dia que finda, Senhor, vi muitos rostos serenos, como vozes cantantes de teu louvor, mas vi também rostos amargos e duros, estes às vezes sofridos e pouco amados, com certeza. Serenos ou duros, sempre estão em meus caminhos. Mas serenos ou duros, sempre vês neles a imagem de teu Filho, e se não trazem eles claridade plena, em todos, é certo, tu vês fagulhas de amor, mechas que ainda fumegam, as quais alimentas no fogo de teu amor. Gostaria de fitar todos os rostos, vendo neles o brilho que tu vês com teu olhar compassivo. E gostaria de amá-los no fervor de teu fervor.
Também hoje, Senhor, vi jardins, alguns floridos, outros nem tanto. E, mais que jardins, vi também crianças, muitas crianças, essas flores frágeis de tantos jardins, uns mais vivos, outros efêmeros, de lares harmoniosos, mas também de outros desestruturados ou já dilacerados. Sorrindo ou chorando, felizes ou sofrendo, desejadas ou não, elas sempre me falam de candura, de pureza e de inocência, convidando-me a voltar à minha infância e a ser sempre criança diante de ti. As crianças me fazem lembrar do Céu, Senhor, pois somos todos “anjos do Céu caídos”, como disse o teu santo. Por isso então elas me trazem também saudades de ti, pois, mais que flores naturais dos jardins comuns, elas são flores de teu jardim celeste.
Mas o dia que finda não me trouxe apenas brisa, luz, rostos amargos e serenos, jardins, flores e crianças. Trouxe-me também espinhos. Sim, espinhos. No meu orgulho, sempre quis xingá-los e considerá-los impróprios para mim, mas notei que eles estão sempre perto das flores, não para feri-las, mas para protegê-las certamente, como pensava o Pequeno Príncipe. Agora sei então que espinhos fazem parte de toda caminhada. Por isso, estão sempre em meus caminhos. Eles me são necessários, não para ferir-me, mas para proteger-me, talvez de mim mesmo - quem sabe - quando o meu ego se dispõe a tornar-se sombra ilusória para o meu verdadeiro ser. Os espinhos podem machucar, é verdade, mas eles não tiram a beleza e o perfume das rosas.
Os instantes da vida, Senhor, (sejam das manhãs, das tardes ou das noites), queres que sejam instantes de aprendizagem do Evangelho. Neles, vou então aprendendo que o amor verdadeiro sempre traz a marca da cruz, amor, pois, crucificado, como o do Calvário, falando sempre a linguagem do amor. Também, na escola da vida, percebo agora que a flor, mesmo rodeada de espinhos, sempre exala perfumes de flor! Por isso, nos rostos que vou encontrando, serenos ou duros, meigos ou brutos, já começo a perceber também fagulhas de amor. E, mais do que isso, vou reconhecendo neles a face de verdadeiros irmãos. Então uma certeza cai mais profundamente no meu coração: tudo, Senhor, tudo é graça. Tudo me fala de teu amor. E tudo, cada vez mais, me traz saudades de ti.
João de Araújo