O ônibus estava cheio, Senhor, e corria apressado.
Éramos ali “sardinhas humanas”, que se comprimiam, à espera do feliz momento de desembarque.
À poluição do ambiente se juntava a poluição sonora de gente tagarela que lá se achava.
Eu nada falava, Senhor, mas pus-me a ouvir o que dois jovens falavam, perto de mim. Entre poucas opções, queria escolher a melhor. A mais razoável. Pois eram jovens os que falavam, e eu não era tão velho assim.
Mas eles não falavam, Senhor. Apenas “vomitavam” experiências de uma vida desregrada e de infâmias. De cruel libertinagem nas passarelas da vida. De ensaios criminosos nos bastidores do mal.
E eu fiquei profundamente angustiado, Senhor. Profundamente angustiado. Olhei-lhes o semblante. O rosto sem rugas. Não aparentavam ainda vinte anos, e eis que já carregavam um século de imundícies.
Fiquei também pensando, Senhor, que o mundo sempre aprovou tais baixezas. Sempre apresentou aos jovens um quadro atraente, porém grotesco e degradante. Mas se eu os exortasse a não estragarem a beleza de sua própria idade, talvez rissem de mim. De mim zombariam, certamente.
E eu não quis ser moralista no conceito deles, Senhor, esquecendo-me de que eles estavam sendo levianos no meu conceito!
Eu me sentia “vacinado”, mas me afastava espiritualmente deles, já que, fisicamente, não me era possível afastar.
Lembrei-me depois de que a luz tem pressa de chegar à Terra, para difundir sua bondade, impregnada da tua. E que o Sol não foge da lama, nem leva de volta resquícios de maldade que vê no mundo dos homens.
Lembrei-me também, Senhor, de que um dia teu Filho me chamou para ser luz do mundo. E eis-me ali querendo tão-somente acomodar-me num cantinho sem lama. Na auto-suficiência de uma luz descomprometida, que se sente bem em ficar debaixo das mesas.
Eu tive pena dos jovens, Senhor, por causa do que eles falavam. Porque – entendia eu – eles deviam ser somente aquilo que diziam.
E, assim, lavrei sentenças que não me pediste.
Formei conceitos que não me deste.
Agredi o mundo, as revistas, os filmes, as novelas. Tudo. E todos.
Só eu, Senhor, escapei de meu próprio juízo. Era preciso e conveniente para mim.
Mas agora eu te peço perdão, Senhor, pois estavas também naquele ônibus. Mas sobretudo estavas também naqueles jovens.
E teu apelo a mim não era tanto para que gritasse e exortasse. Era, sim, para te reconhecer naqueles rostos jovens, porém já atingidos pela violência do mal.
Pedias que eu os amasse assim mesmo, como verdadeiros irmãos. No seu misto de vida e de morte. De juventude e de velhice sem glória.
Mas eu achei mais fácil encontrar-te somente em mim, Senhor. Foi bem mais fácil e mais honroso também!
João de Araújo