1 - O “Santo” é uma aclamação de todo o povo de Deus, que associa textos bíblicos, como abaixo citados, num louvor realmente universal. Trata-se do louvor dos serafins, na visão profética de Isaías (Is 6,3); da alusão ao “Benedictus” dos querubins, conforme Ezequiel (Ez 3,12); da Liturgia celeste descrita no Apocalipse (Ap 4,8); e do brado de triunfo messiânico, seja do salmista, ainda na expectativa da era messiânica (Sl 118[117],26), seja do Evangelista, contemplando já a realidade do Cristo e Senhor, como na entrada triunfal de Jerusalém (Mt 21,9). Em toda a Liturgia, mas sobretudo na aclamação do “Santo”, podemos contemplar e viver a Igreja nas suas três dimensões: peregrina, padecente e triunfante, ou seja, a Liturgia terrestre e celeste numa só Liturgia, num só louvor.
2 - Com relação aos nossos entes queridos que já passaram desta vida para a casa do Pai, mais do que ouvir seus nomes nas intenções da missa, deveríamos saber que, no momento do “Santo”, podemos de fato unir-nos a eles, não de maneira saudosa, sentimental e psicológica, mas realmente, ou seja, na pura verdade da eficácia litúrgica, sacramentalmente. Como diz Cesare Giraudo, “todos devem habituar-se a reconhecer no “Sanctus” o hino teológico que estabelece a união das duas assembleias, a assembleia celeste (=criaturas angélicas+santos/defuntos) e a assembleia da Igreja aqui e agora em oração [Ecclesia hic et nunc orans]”.
3 - Como se vê, trata-se de uma aclamação de profundo sentido teológico, bíblico e litúrgico, o que deveria exigir de todos, principalmente dos responsáveis pela liturgia, mais zelo pela sua execução litúrgica. Seu louvor, iniciado no Prefácio, vai ser continuado no “Pós-Santo” e retomado na doxologia final.
4 - Na verdade, pode acontecer que, na prática litúrgica, este momento se apresente "frouxo", quando a assembleia, em vez de o cantar, apenas o recita, e em descompasso. A recitação pode justificar-se em celebrações feriais, mas não nas dominicais e de solenidades. Não tem sentido - diga-se - convidar os anjos e santos do céu para se unirem a nós neste canto de louvor e, depois, simplesmente afastar-nos do canto, para uma simples verbalização. Também no canto, muitas vezes, ingenuamente, muda-se o texto, empobrecendo-o, sem a consciência de que ele faz parte da Oração Eucarística. Com sua característica de aclamação universal, o “Santo” é, pois, de alto sentido bíblico, litúrgico e teológico, como se vê adiante.
5 - Há três aspectos a considerar no “Santo”: a transcendência de Deus, sua majestade divina e sua imanência. Como sabemos, a transcendência e a imanência de Deus se harmonizam de modo admirável na revelação bíblica. A transcendência divina se manifesta no tríplice “Santo” de Isaías, cantado pelos serafins, doxologia que se vê também em uso no triságio do Apocalipse (cf. 4,8). Já a majestade de Deus é exaltada pela criação (“O céu e a terra proclamam a vossa glória...”, melhor ainda: “O céu e a terra estão cheios da vossa glória...”). E a imanência divina se manifesta não só na sua presença viva entre nós (em cada uma de suas criaturas, na história, na natureza), mas sobretudo na Encarnação do Verbo, onde Deus se torna visível na pessoa do Filho (cf. Jo 14,9). O último aspecto da imanência divina vai estar nítido na referência ao texto de Mateus, fazendo alusão, em tom solene, à sua entrada triunfal em Jerusalém (“Bendito o que vem em nome do Senhor”), onde o Filho de Deus consumará seu sacrifício pascal pela humanidade.
João de Araújo