Tríduo Pascal

 

1 - Na vida litúrgica da Igreja celebramos a páscoa de Cristo não só a cada oitavo dia, no domingo, como páscoa semanal, mas sobretudo na Semana Santa, como páscoa anual, no chamado Tríduo Pascal da Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor.

 

2 – A celebração do Tríduo Pascal é o centro não só do ciclo da páscoa como tal, mas também de toda a liturgia e da vida da Igreja. Na liturgia ocupa o primeiro lugar em ordem de grandeza, não havendo, pois, nenhuma outra celebração que se possa colocar em seu nível. É portanto o cume da liturgia e de todo o acontecimento da redenção. Por isso, deveria estar mais presente, como tema, em toda catequese e ser objeto de formação e de interiorização nos encontros eclesiais, principalmente nas equipes de liturgia.

 

3 - Começa o Tríduo Pascal na Quinta-Feira Santa, na missa vespertina, chamada "Ceia do Senhor", véspera da paixão e morte do Senhor, tem seu centro na Vigília Pascal do Sábado Santo e encerra-se com a missa vespertina do Domingo da Páscoa.

 

4 - O Tríduo Pascal não é - saibamos - um tríduo que nos prepara para o Domingo da Páscoa, mas um tríduo celebrativo do Mistério Pascal de Cristo, que culmina no domingo, "Dia do Senhor". Trata-se, pois, de uma única celebração, em três momentos distintos, o que ainda não é devidamente compreendido por muitos. Santo Agostinho o chama de sacratíssimo tríduo do Senhor sepultado e ressuscitado.

 

5 - Identifica-se a ação contínua da liturgia no Tríduo Pascal com a verdade histórica dos últimos momentos de vida do Redentor, ou seja, o fato histórico é seguido de maneira cronológica na liturgia. Entregue, pois, na noite da Quinta-Feira Santa, o Divino Mestre ficou entregue a seus inimigos, sem oferecer resistência, sem clamar por legiões angélicas (cf. Mt 26,53) e totalmente disponível para o grande sacrifício da redenção. Verdade é que Cristo caminhou livremente para Jerusalém, depois da Ceia de Betânia (cf. Jo 12,12), sabendo que já se aproximava a hora de dar glória ao Pai e de ser pelo Pai glorificado (cf. Jo 12,23).

 

6 - Na qualificação litúrgica, podemos dizer que, assim como o domingo derrama para os dias da semana a vitalidade da páscoa do Senhor, o Tríduo Pascal derrama para todo o Ano Litúrgico a eficácia do evento redentor de Cristo. Por aqui podemos entender que a liturgia gravita em torno do Mistério Pascal de Cristo, na sua expressão mais viva: a Eucaristia.

 

7 - Aplica-se sobretudo ao Domingo da Páscoa tudo o que se diz sobre o domingo, como fundamento do Ano Litúrgico. E mais: o Domingo da Páscoa deve ser visto, celebrado e vivido como o "domingo dos domingos", dia, pois, sagrado por excelência. Se todos os domingos do ano já têm primazia fundamental sobre todos os outros dias, o Domingo da Páscoa destaca-se ainda mais pela sua notoriedade cristã, dada a sua relação teológica com o Senhor Ressuscitado (Kyrios).

 

8 - Segundo Santo Hipólito, "...Cristo brilha sobre todos os seres mais do que o sol! É por isso que, para nós que cremos nele, se instaura um dia de luz, longo, eterno, que não se apaga: a páscoa mística”.

 

QUINTA-FEIRA SANTA

 

9 - Na véspera de sua paixão, Jesus orou no Monte das Oliveiras (cf. Mt 26,36) e teve sua paixão concretamente iniciada. Desejando ardentemente celebrar a páscoa com os seus discípulos (cf. Lc 22,14-15), ele então os reúne e com eles celebra a Ceia Santa. Sua morte sacrifical é aqui antecipada sacramentalmente, isto é, sua entrega na cruz, que aconteceria no dia seguinte, aqui se faz real, em mistério, pois a antecipação sacramental da própria morte está fora das estreitezas da ação puramente humana.

 

10 - A Eucaristia, verdadeiro sacrifício e sacramento da eterna redenção, é então nesse dia instituída, como também é instituído o sacerdócio ministerial ordenado e promulgado o mandamento novo do amor.

 

11 - Como sabemos, na liturgia o evangelho sempre narra a temática principal da celebração, o que, porém, não acontece na Quinta-Feira Santa, onde a instituição da Eucarística nos é transmitida pela narração de São Paulo, na segunda leitura, como tradição paulina da comunidade primitiva, entendida pelos biblistas e liturgistas como o relato institucional mais antigo.

 

12 - No evangelho, de João, vemos o exemplo de Jesus, lavando os pés dos discípulos e dando-lhes o mandamento do amor, no rito do “Lava-pés”, que a Igreja também conserva, em mimese litúrgica. Em algumas comunidades já é costume os fiéis lavarem os pés uns dos outros, sem distinção de classes ou de pessoas, o que, segundo nos parece, pode ser mais significativo do que o simples rito que o sacerdote realiza, muitas vezes reduzido a mera sugestão ou a simples observância de rubrica. Em sentido litúrgico, podemos dizer que o discurso e os gestos do Cenáculo continuarão vivos em todos os tempos. Assim, em cada Eucaristia que celebramos, Cristo continua a lavar-nos os pés, convidando-nos a fazer o que ele mesmo fez. Na verdade, o rito simbólico do “Lava-pés” é um apelo contínuo a nós para que vivamos o serviço fraterno, exigência, aliás, que nasce de nossa vida sacramental e eucarística.

 

13 - A exemplo do que se pode notar na liturgia do Domingo de Ramos, a liturgia da Quinta-Feira Santa vai estar inserida também na dupla característica do Mistério Pascal: a cruz e a glória, como pode-se ver desde o canto de entrada, inspirado em Gl 6,14 (Gloriar-se na cruz de Cristo), tema caro a são Paulo e que vai estar nítido também na Sexta-Feira Santa. Aqui já é possível afirmar que não se pode compreender uma cristologia da glória sem a relação teológica com a cristologia da cruz. A nossa fé une na verdade uma à outra, tornando-as inseparáveis.  

 

14 - A celebração da Quinta-Feira Santa é, pois, solene, com incensação, ornamentação da igreja e do altar. Canta-se nela o Glória, que pode ser também ao som de campainha ou de sinos, mas não se canta o “Aleluia” nem se recita o “Creio”. Estes ficam como “reserva litúrgica” para a Vigília Pascal do Sábado Santo: o “Aleluia”, para a aclamação do Evangelho, e o “Creio”, para a celebração do Batismo e para a renovação das promessas batismais da assembleia celebrante.   

 

15 – Como orientação litúrgica, é bom lembrar que na Quinta-feira Santa, em lugar do “Aleluia” canta-se a aclamação do “mandamento novo”, e que,  após o canto do Glória, o órgão e os outros instrumentos musicais devem silenciar-se. Assim, a liturgia mostra claramente que a Igreja já se revestiu do clima da Paixão do Senhor. Podemos dizer então que a alegria da Quinta-feira Santa é, na verdade, uma alegria misturada com a dor, uma alegria reticente, diríamos. Já, pois, imersa no mistério da Paixão, e imitando o despojamento do Senhor, também no fim da celebração o altar é desnudado, e os ritos finais são omitidos, cedendo lugar  à procissão do Santíssimo para a capela lateral, em transladação. É muito desejável que, nesse dia, onde for possível, se dê a comunhão sob as duas espécies.

 

16 - A liturgia da Quinta-feira Santa é a mesma para todos os anos, e todos os seus textos são de intensa riqueza. Na oração do dia, “que se concentra na idéia da instituição da Eucaristia como sacrifício e como banquete do amor”, pedimos a Deus que também nós cheguemos à plenitude da vida e do amor. A leitura do Antigo Testamento vai nos falar do cordeiro pascal, cujo sangue serviu de sinal para a libertação do povo de Israel, e a ceia noturna daquele povo foi uma introdução à saída da escravidão, tudo portanto como figura da libertação definitiva que, mais tarde, Deus providenciaria na pessoa de seu próprio Filho, como recordamos na liturgia e atualizamos de maneira sacramental.

 

17 - Tudo então na Quinta-Feira Santa nos leva à descoberta do amor. Cristo nos dá um mandamento novo, e no rito do “Lava-pés”, como já foi lembrado,  ele nos mostra que veio não para ser servido, mas para servir, mandando-nos fazer o mesmo, a fim de o seguirmos nas trilhas da redenção. É ele, pois, que nos escolhe e nos ama primeiro, na nossa condição real de pecadores. Não espera que nos tornemos dignos de seu amor, mas ama-nos em nossa indignidade. Esta é a ótica de todo o Mistério Pascal: Deus nos ama com amor misericordioso, acima de nossa compreensão. Não nos ama porque somos amáveis, mas se somos amáveis é porque ele nos ama.

 

LEITURAS BÍBLICAS DA QUINTA-FEIRA SANTA (ANOS A, B e C)

 

1ª leitura - Ex 12,1-8.11-14 Salmo Responsorial: 116(115)

2ª leitura - 1Cor 11,23-26

Evangelho - Jo 13,1-15

 

SEXTA-FEIRA DA PAIXÃO

 

18 - Tendo Jesus celebrado a ceia com os seus discípulos, e tendo sido, na mesma noite, entregue aos poderes do mundo, celebra-se hoje então sua morte sacrifical, sua Paixão e sua cruz gloriosa. Note-se, porém, que, embora entregue por Judas, em ação, diríamos, “policial” e criminosa, sua morte é resultante , teologicamente, de sua auto-entrega, para a nossa salvação. No Mistério Pascal do Crucificado e Ressuscitado, não se trata de “morte oferecida”, mas de vida que se doa totalmente por amor, pois somente a vida é dom que se pode ofertar.  No evangelho, Jesus dirá: “Ninguém me tira a vida, mas eu a dou por própria vontade. Eu tenho o poder de dá-la,  como tenho poder de recebê-la de novo. Tal é o encargo que recebi de meu Pai”(cf. Jo 10,18). E acrescentamos: o Pai (Deus) não condena o Filho à morte. Ao contrário, salva-o da morte para a mais plena glorificação.   Diríamos que a ressurreição de Jesus é a resposta mais clara do Pai à diabólica perversidade dos opressores de seu Filho.   

 

19 – Para a compreensão teológica do Mistério Pascal, devemos saber que todo amor verdadeiro está sempre pronto para ser imolado. Deve ser dom de si, efusão que pode chegar ao exaurimento, à “kênosis”, ao esvaziamento total. Dir-se-á certamente que este amor é utópico, irreal. Diremos que este é o amor com que Deus criou o mundo e com o qual nos sustenta e envolve. É, sim, o amor que Jesus nos revela em sua missão redentora, amando-nos até o fim (cf. Jo 13,1). Assim, a Páscoa de Jesus manifesta aos nossos olhos o mistério insondável e eterno do Pai. Numa renúncia total de si mesmo, o Crucificado entra para sempre num mistério de imolação e se torna eternamente o Ressuscitado e Senhor (Kyrios), pelo Pai exaltado e glorificado (cf. Fl 2,6-11). Em resumo, podemos dizer que é isto que celebramos na Sexta-Feira Santa.

 

20 – Acrescentando ainda ao que acima foi dito, queremos notar que a morte, enquanto realidade biológica, é inevitável. Porém, em seu aspecto pessoal, ela tornou-se em Cristo um ato de liberdade e de amor, como vimos acima. Notemos ainda que Deus não hesitou em fazer de seu Filho amado um ser mortal. Assim o Filho, abandonando-se nas mãos do Pai, é glorificado na morte e torna-se o Salvador do mundo. Como vemos sobretudo em João, Jesus não vence a morte fugindo dela, mas assumindo-a, no ardor da vida. A propósito, a primeira antífona da salmodia das Vésperas do Sábado Santo, fazendo eco a Oséias e a Paulo (cf. Os 13,14; 1Cor 15,54-55), vai solenemente cantar: “Ó morte, eu serei a tua morte! Ó Inferno, eu serei tua ruína!”.  Também o Prefácio dos Fiéis Defuntos, confessando a fé na ressurreição, proclama em tom pascal: “Senhor, para os que creem em vós, a vida não é tirada, mas transformada. E, desfeito o nosso corpo mortal, nos é dado, nos céus, um corpo imperecível”.  

 

21 – Voltando-nos para a liturgia, queremos notar que, neste dia, não se celebra a Eucaristia, como também nenhuma outra liturgia senão a Solene Ação Litúrgica da tarde. É um dia marcado pelo pesar e pelo jejum. De participação viva na Paixão do Senhor, como foi historicamente acontecido. O jejum da Sexta-feira Santa é, como nos ensina a reforma litúrgica, “jejum pascal”, e é desejável que ele se prolongue, quando possível, até o Sábado Santo, numa identificação mais profunda com a prática dos Apóstolos e dos primeiros cristãos, pondo em prática o que o Senhor disse em Mt 9,14-16 e Lc 5,33-35, ou seja, que, quando ele lhes fosse tirado, os discípulos então jejuariam.

 

22 - Note-se que na Sexta-feira Santa  o próprio clima da igreja é de paixão. Ela está despojada: altar desnudado, sem flores, sem som festivo, sem velas e sem canto no início da celebração. Apenas na hora da comunhão se coloca sobre o altar uma pequena toalha, o corporal e as âmbulas. Saibamos, porém, que nem tudo na Sexta-Feira Santa é dor e tristeza. Já foi dito que, na espiritualidade do Mistério Pascal, a cruz se mergulha na glória e a tristeza se converte em alegria. Por isso, a cruz, em rito solene, é mostrada aos fiéis e por eles adorada, momento em que se cantam não apenas os lamentos do Senhor, mas também cantos da cruz triunfante e  gloriosa. Como diz o Diretório Litúrgico da CNBB, “na glória da cruz brilha o mandamento novo do amor; no brilho da cruz resplandece a Eucaristia, o sacramento  do amor; e no resplendor da cruz somos chamados a fazer o que ele nos mandou: "Fazei isto em memória de mim". Toda a Quinta-feira santa então como que se torna presente no mistério da Cruz.

 

23 - A Igreja celebra na Sexta-Feira da Paixão, como veremos,  uma solene ação litúrgica, na parte da tarde, constituída de três partes: Liturgia da Palavra, adoração da Cruz e comunhão eucarística, esta guardando memória da noite anterior, com hóstias consagradas na missa solene da Ceia do Senhor.

 

24 – Na celebração solene, o rito inicial é feito em silêncio e sem canto. Chegando ao altar, o sacerdote se prostra ou se ajoelha. Também a ajoelhar-se, por um instante, são convidados os ministros e toda a assembléia celebrante.  Logo após, dirigindo-se ao altar, sem saudar a assembleia, o sacerdote reza uma oração própria, sem o “Oremos”, e se inicia a Liturgia da Palavra. Na primeira leitura,  Isaías  fala-nos do servo padecente, que a liturgia aplica a Cristo, o verdadeiro servo de Deus. O salmo 31[30] é outra passagem profética que se aplica ao servo sofredor. Já a segunda leitura, da Carta aos Hebreus, é uma revelação bíblica do sacerdócio de Cristo, sacerdócio único, do qual todos nós participamos pelo Batismo. Assim, o Cristo crucificado, além da realeza já exercida na Cruz, como João nos mostra na narrativa da Paixão, é também verdadeiro e único sacerdote do Reino de Deus Pai. Faz parte ainda da Liturgia da Palavra a Oração Universal, com suas dez intenções. Tudo indica que tal oração dá origem às preces da comunidade em nossas missas e se inspira nas recomendações de São Paulo a Timóteo (cf. 1Tm 2,1-2). Pode-se concluir, finalmente, que João lança um olhar mais teológico sobre a Paixão do Senhor, não se preocupando com uma correta narrativa histórica.

 

25 – Esclarecendo um pouco mais o que acima se diz, queremos dizer que João, por exemplo,  deixa entender que Pilatos  não tem poder sobre Jesus,  mas é Jesus, em sua soberania e fidelidade ao Pai, que julga Pilatos, representante do poder político e opressor. Na verdade, Pilatos se apresenta como num teatro, e como péssimo ator, entrando e saindo em seu próprio recinto, e cada vez mais desorientado, como barata tonta. Pilatos se apresenta, na  verdade, como um juiz medíocre, isto sim. Na mesma compreensão, João faz ver, igualmente, que não são as autoridades religiosas que condenam o Divino Mestre, como parece, mas é Jesus, em sua soberania, que as condena, por serem elas, naquele contexto, igualmente opressoras.

 

26 - No segundo momento da Ação Solene, vamos ter a Adoração da Cruz. Ela é trazida, coberta com véu vermelho, processionalmente da sacristia ou do fundo da igreja, pelo diácono ou pelo sacerdote, ladeado por dois acólitos, com velas acesas, e mostrada aos fiéis, num rito em que, por três vezes, com o canto “Eis o lenho da cruz...”, é desvelada. É previsto para esse momento um pequeno instante de adoração coletiva e silenciosa, ficando os fiéis então de joelhos. Para facilitar a adoração individual, o sacerdote ou um ministro coloca-se diante do altar segurando a Cruz e cada fiel se aproxima para o seu gesto de adoração. Nesta adoração respeite-se a espiritualidade dos fiéis, a qual pode ser expressa pelo tradicional beijo, pela genuflexão, ou inclinação da cabeça ou do corpo.

 

27 - Saibamos que a Cruz, na leitura cristã, não deixa de ser penosa, sobretudo para os pobres, mas é cruz gloriosa, triunfante, pois é o madeiro sagrado de nossa redenção. Na vivência da espiritualidade do Mistério Pascal,  não queiramos pedir a Deus uma cruz leve para a nossa vida, uma “cruz de isopor”, diríamos, mas aceitemos a que Ele nos destinou, feita certamente sob a nossa medida. Na vida cotidiana, como também na liturgia, não seja a cruz então celebrada e vivida como “sinal negativo”, como “cruz dolorosa”, esta sempre inclinada a provocar mais ainda o "dolorismo" em tantos cristãos. Terminado o rito da adoração, a Cruz é colocada no centro do altar, com as duas velas nas extremidades, ficando elas acesas até o final da celebração.

 

28 - O terceiro e último momento da liturgia é o da comunhão. Como se falou antes, é colocada sobre o altar apenas uma pequena toalha, o corporal e as âmbulas, contendo hóstias consagradas na missa da Quinta-Feira Santa. Ao som de matraca, se possível,  (que contrasta com o som da campainha)  por ministros as âmbulas são trazidas da capela ou do lugar digno em que foram recolhidas e guardadas na missa da Quinta-Feira Santa. Aqui então,  simbólica e sacramentalmente, une-se a liturgia da Sexta-Feira Santa à da Ceia do Senhor. Após a oração do Pai Nosso, como na missa, mas sem o rito da fração do pão, é distribuída então a comunhão aos fiéis e, caso haja ainda hóstias consagradas, estas voltam novamente para o lugar de reposição, observando-se o mesmo rito em que foram levadas ao altar.

 

29 - A exemplo do rito inicial, também o rito final é simples: após a oração depois da comunhão, o sacerdote estende as mãos sobre o povo e pede a Deus a bênção sobre ele. Omite-se o rito de despedida, e todos se retiram em silêncio.

 

LEITURAS BÍBLICAS DA SEXTA-FEIRA DA PAIXÃO (ANOS A, B e C)         

 

 1ª leitura  - Is 52,13-53,12

 Salmo responsorial - 31(30)

 2ª leitura  - Hb 4,14-16; 5,7-9

 Evangelho - Jo 18,1-19,42

 

VIGÍLIA PASCAL DO SÁBADO SANTO

 

30 - A tradição cristã sempre associou a noite da ressurreição à noite da páscoa judaica, descrita em Ex 12,1-14, com o caráter, porém, de vigília em honra do Senhor. E a Igreja, a exemplo de seu mestre, não celebra também a Eucaristia desde a noite de Quinta-Feira Santa, até que o Senhor ressuscite verdadeiramente (cf. Lc 22,16). O Sábado Santo se caracteriza também como dia de silêncio e de pesar, mas vivido na expectativa da ressurreição do Senhor.

 

31 - Mãe de todas as santas vigílias, na expressão de Santo Agostinho, a Vigília Pascal faz resplandecer no horizonte da vida humana a recapitulação de todo o universo, em Cristo. É a noite gloriosa do Senhor, que dá dimensão e sentido também à noite do Natal. Nesta vigília, a Palavra de Deus vai ressoar no coração de toda a Igreja, mostrando a todos os fiéis como Deus é fiel no cumprimento de suas promessas. Entoa-se solenemente o Glória, e, depois das longas semanas da Quaresma, volta-se a entoar o Aleluia em verdadeira exultação pascal.

 

32 - A liturgia desta Sagrada Vigília vai, assim, se desenrolando aos nossos olhos como uma celebração cada vez mais iluminadora de nossa vida, dando-lhe um sentido inteiramente novo, encorajando a nossa existência para a nobreza de uma vida fraterna. Assim, o Círio Pascal, preparado, aceso e conduzido no início da celebração, em rito processional, como que dissipando as trevas da igreja apagada, lembra-nos a coluna de fogo, na qual Javé precedia, na escuridão da noite, o povo de Israel ao sair do Egito (cf. Ex 13,21-22). Cristo é a luz do mundo, e quem o segue não anda nas trevas (cf. Jo 8,12), eis o simbolismo último do Círio Pascal.

 

33 - O tesouro maior da liturgia encontra-se, pois, nas celebrações desta noite. Como já se falou, o Tríduo Pascal da Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor é a celebração mais importante na vida da Igreja, com sua posição mais alta na escala da Liturgia. São quatro os momentos litúrgicos da Vigília Pascal: a Liturgia do Fogo e da Luz, a Liturgia da Palavra, a Liturgia Batismal e, encerrando, a Liturgia Eucarística.

 

LITURGIA DA LUZ E DO FOGO

 

34 - Com a igreja apagada, inicia-se a Liturgia da Luz, na porta da igreja ou em outro local apropriado, com a bênção do fogo e a preparação do círio, estas com ricas palavras alusivas a títulos do Senhor (“Cristo, ontem e hoje, Princípio e fim, Alfa e Ômega. A ele o tempo e a eternidade, a glória e o poder pelos séculos sem fim. Amém”. Pregando os grãos de incenso no Círio, como as cinco chagas, o texto continua:

“Por suas santas chagas, (1) suas chagas gloriosas (2), o Cristo Nosso Senhor (3) nos proteja (4) e nos guarde. Amém (5)”. Acendendo então o Círio no fogo novo, o sacerdote ainda diz: “A luz do Cristo que ressuscita resplandecente dissipe as trevas de nosso coração e de nossa gente”. Em seguida, elevando o Círio, e com o canto “Eis a luz de Cristo”, por três vezes, a que a assembleia responde “Demos graças a Deus!”, é ele então conduzido processionalmente pelo centro da igreja. Os fiéis podem acender nele as suas velas. Na terceira vez do canto, acendem-se as luzes da igreja, e o Círio é então colocado no lugar próprio, onde vai ser incensado. Canta-se em seguida o Exultet, chamado também "Precônio Pascal (Proclamação da Páscoa), findo o qual se encerra a Liturgia da Luz, momento em que os fiéis apagam suas velas. 

 

Notas:           

 

a) –  No movimento para a Igreja, quando o rito é feito noutro lugar, convém que apenas o Círio Pascal guie a procissão, dispensando-se então a cruz processional e as tochas.  A explicação é simples: a Cruz e o Círio não são apenas “símbolos litúrgicos”, mas “sinais cristológicos”, e na Liturgia deve-se evitar a duplicidade do mesmo sinal. Quanto às tochas, estas não podem obscurecer a luz do Círio, como que querendo completá-la. Atente-se ainda para a lógica do rito: os fiéis é que acompanham o Círio, na lembrança feliz de Jo 8,12, onde Jesus diz: "Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não caminha nas trevas, mas terá a luz da vida". 

 

b) – É recomendável para o Tempo Pascal, quando possível, que o Círio Pascal seja conduzido na procissão de entrada, a fim de se enfatizar mais a sua importância na dinâmica inicial da celebração. Nesse caso, a cruz processional e as velas ficam dispensadas, dada a explicação acima. 

 

LITURGIA DA PALAVRA DA VIGÍLIA PASCAL

 

35 - Nove leituras são propostas na Liturgia da Palavra da Vigília Pascal, sete do Antigo Testamento e duas do Novo. As do AT podem ser reduzidas a três, permanecendo as duas do Novo Testamento, sendo que, do AT, a terceira leitura não pode ser omitida, por tratar da saída do povo de Israel do Egito, figura, pois, da libertação definitiva operada por Deus através de seu Filho Jesus. Cada leitura é seguida de um salmo responsorial e de uma oração sálmica, presidencial, esta muito objetiva, ligada também à própria leitura.

 

36 - Encerradas as leituras do Antigo Testamento, entoa-se solenemente o Glória, já a partir de agora na harmonia do órgão e de instrumentos musicais, estes em silêncio, como sabemos, desde a noite da Quinta-Feira Santa. Acendem-se também, neste momento, as velas do altar, tirando sua chama do Círio Pascal. Aqui a Igreja se reveste de toda a alegria pascal. Segue-se então ao canto do Glória a primeira leitura do Novo Testamento (Rm 6,3-11), que é uma alusão profunda ao fato neo-testamentário, ou seja, a regeneração pelo Batismo, o homem novo, na expressão de São Paulo. Todos nós, sepultados com Cristo, pelo Batismo, com Cristo também ressuscitamos. É, pois, a novidade total, razão última da redenção operada por Deus.

 

37 - Cantado, após a leitura de São Paulo, o Salmo aleluiático da ressurreição (Sl 118[117]), entoa-se solenemente o tríplice Aleluia, proclamando, em seguida, o evangelho, levando-se em consideração o ciclo anual de A, B e C. Com a homília, encerra-se a segunda parte da liturgia.

 

LEITURAS BÍBLICAS DA LITURGIA DA PALAVRA
(Não são dados aqui os versículos dos salmos responsoriais devido à sua difícil compilação)

 

1. leitura  -  Gn 1,1.26-31a (breve)   - Salmo responsorial:  Salmo 104[103]

2. leitura  -  Gn 22,1-18                    - Salmo responsorial:  Salmo 16[15]

3. leitura  -  Ex 14,15-15,1               - Salmp responsorial:   Cântico de Ex 15

4. leitura  -  Is 54,5-14                     - Salmo responsorial:   Salmo 29(30)

5. leitura   -   Is 55,1-11                     - Salmo responsorial:   Cântico de Is 12

6. leitura   - Br 3,9-15                        - Salmo responsorial:     Sl 18b(19)

7. leitura   - Ez 36,17a.18-28              - Salmo responsorial: 41(42)

8. leitura   - Rm 6,3-11                      - Salmo (Aleluia) - 117(118)

Evangelho:  Ano A: Mt 28,1-10      Ano B: Mc  16,1-7    Ano C:  Lc 24,1-12

 

LITURGIA BATISMAL

 

38 - Como se sabe, sempre a noite da Vigília Pascal do Sábado Santo foi escolhida para a celebração mais apropriada do Batismo, principalmente de adultos. Ainda hoje há também esta recomendação pastoral, infelizmente não levada muito a sério por algumas comunidades. Nesta parte da liturgia, além do batismo daqueles que foram preparados na Quaresma, faz-se também a renovação das promessas batismais de todos os fiéis. Este é, aliás, um rito que deve sempre ser vivido e valorizado em função do sentido pascal, assumido pelo Batismo, pois, pela renovação das promessas batismais, atinge-se a culminância dos exercícios quaresmais.

 

39- Inicia-se, pois, essa terceira parte da Vigília Pascal com o chamado dos batizandos pelo presidente e apresentação deles à assembleia, seguindo-se o canto da Ladainha de Todos os Santos e a bênção da água batismal. Na bênção da água, pode haver a imersão nela do círio pascal e sua emersão, significando, pela imersão, a nossa morte com Cristo, e, na emersão, a nossa ressurreição com ele. Prossegue então a liturgia: com o Batismo (se houver), com a renovação das promessas batismais e com a aspersão da assembleia, encerrando-se a terceira parte da liturgia. No fim da aspersão, os fiéis apagam as suas velas, as quais são acesas para a renovação das promessas batismais.

 

40 - Ainda com referência à Liturgia Batismal, é preciso que se observe o seguinte: a Ladainha de Todos os Santos só é cantada ou rezada quando houver batismo ou bênção da água batismal. Quando o sacerdote benze a água só para a aspersão da assembleia, a ladainha é omitida e, nesse caso, a oração é também mais simples, reduzida, não tão rica como a do rito batismal, em que há a imersão do círio, como falamos.

 

41 - Por isso, quando não houver batismo, é aconselhável fazer pelo menos a bênção da água batismal, que será usada na aspersão e nos batizados do Domingo da Páscoa, podendo então aí cantar a Ladainha, empobrecendo menos a liturgia. O que não se deve fazer, e isto acontece talvez por desconhecimento, é cantar a Ladainha sem que haja a celebração do batismo nem bênção da água batismal.

 

LITURGIA EUCARÍSTICA

 

42 - A quarta e última parte da grande Vigília Pascal do Sábado Santo é a Liturgia Eucarística, celebrada pela última vez na noite da Quinta-Feira Santa. Aqui ela volta, tendo em vista o cumprimento da profecia do próprio Cristo, segundo a qual ele só voltaria a celebrá-la no Banquete eterno do Reino do Pai (cf. Lc 22,16).

 

43 - A Eucaristia que agora então se celebra inicia-se com as preces da comunidade, seguida da preparação e apresentação das oferendas, pois toda a Liturgia da Palavra e ritos iniciais foram liturgicamente celebrados nas partes anteriores da Vigília Pascal.

 

44 - Podemos dizer que a fisionomia dessa última parte é de alegria pascal, de Igreja enternecida com a luz do Cristo Ressuscitado, mergulhada no abismo de tão profundo mistério e envolvida com a missão redentora de seu Divino Mestre. A fisionomia dos participantes deve ser então uma fisionomia de ressuscitados, de homens novos, gerados que foram pela graça redentora de Cristo, contemplando agora um horizonte sempre mais resplandecente e mais fúlgido. Fisionomia - devemos insistir - de homens capazes de reconstruir um mundo novo, alicerçado na paz, na justiça, no amor, na concórdia e na fraternidade, onde a Eucaristia brilhe mais intensamente como lugar de partilha, de verdadeira comunhão e de ação libertadora, no sinal vivo do Cristo Ressuscitado.

 

DOMINGO DA PÁSCOA E DA RESSURREIÇÃO

 

45 - O tema central do Domingo da Páscoa, como não poderia deixar de ser, é o da ressurreição do Senhor. “Deus o ressuscitou”, eis a frase principal (cf. At 10,40; Lc 24,34), como fórmula clássica da fé e da pregação cristã. Deus faz justiça ao Filho, ressuscitando-o (cf. Jo 16,10).


46 - Ressuscitado, Jesus mostra que as Escrituras falam dele com clareza (cf. Lc 24,25-27) e faz o coração dos discípulos arder (Lc 24,32), dando-lhes a conhecer no partir do pão (Lc 24,30-31). Assim, a ressurreição de Jesus nos dá a certeza de nossa própria ressurreição (cf. Jo 11,25; 14,1-4), como também a certeza de sua presença mais viva entre nós, principalmente quando nós a pedimos (cf. Lc 24,29).

 

47 - Na reforma da liturgia, somente o Natal e a Páscoa têm sua celebração com Oitava, isto é, com um prolongamento da festa por oito dias, onde a liturgia dá ênfase ao tema central comemorado. Também, a exemplo do Natal, a missa do Domingo da Páscoa tem suas perícopes evangélicas mudadas, de conformidade com o fato histórico.


48 - Assim, na missa da noite (4ª parte da Vigília Pascal do Sábado Santo, ligada, em essência, à 2ª parte - Liturgia da Palavra), o Evangelho, segundo o ciclo anual de A, B e C (Mt 28,1-10; Mc 16,1-12 e Lc 24,1-12), sempre vai trazer o relato do sepulcro vazio e das aparições às santas mulheres. Já na missa do dia, o evangelho é de João (Jo 20,1-9), que relata a corrida de Pedro e de João ao sepulcro, diante do fato narrado pelas mulheres. Pode também ser o da Vigília Pascal. 


49 - Nas missas vespertinas, o evangelho pode ser o de Lc 24,13-35, que narra a desilusão dos discípulos de Emaús, na tarde daquele primeiro dia da semana, isto é, no Domingo da Ressurreição, quando então voltaram de Jerusalém para a aldeia, comentando todos os acontecimentos daqueles dias. Vê-se, pois, que as perícopes evangélicas narram os fatos de maneira cronológica, ou seja, na ordem própria dos acontecimentos.

 

50 - O Domingo da Páscoa é então o grande Dia do Senhor (Sl 118[117],24), que torna pascais todos os domingos e faz de todas as celebrações litúrgicas, centradas como estão no Mistério Pascal de Cristo, momentos salutíferos de redenção, de exaltação e de louvor ao Deus vivo e verdadeiro (cf. Ap 1,17-18). Seu clima é então continuação e plenificação ainda mais daquilo que falamos sobre a Celebração Eucarística da Vigília Pascal e, na qualificação litúrgica, ele é “o domingo dos domingos”, na expressão feliz de Santo Atanásio.

 

51 - No evangelho da missa do dia (Jo 20,1-9), são interessantes alguns detalhes: Pedro e João, diante do relato das mulheres, correm ao sepulcro, mas João chega primeiro. Seria aqui o amor do “discípulo amado” a mostrar-se mais forte e dinâmico, por isso correu mais? Diz o evangelho que João, porém, não entrou no sepulcro. Seria esperar e respeitar a primazia do “Príncipe dos Apóstolos”? Pedro então chega, como diz o evangelho, vê os detalhes do sepulcro vazio e nele entra. Em seguida, entra também João, que “vê” e “crê”. A revelação de que “João vê e crê” seria uma virtude do “discípulo amado”? Como os dois discípulos de Emaús, Pedro e João não tinham também, ainda, compreendido as Escrituras.

 

52 - Vejamos então no Domingo da Páscoa um convite sereno para vivermos a ressurreição, desde já, na dinâmica do amor e da fraternidade. E Cristo, o Ungido de Deus, vai exigir de nossa vida que ela seja límpida, transparente, espelho do bem e sinal também de salvação, numa profunda sensibilidade para o amor fraterno, na prática da justiça, enfim como vida plenamente missionária.

53 - Finalmente, a partir deste domingo, até Pentecostes, começa a antífona mariana “Regina coeli” (“Rainha do céu, alegrai-vos...”), na oração noturna, chamada “Completas”, da Liturgia das Horas. Com o Domingo da Páscoa começa também o Tempo Pascal, que se encerrará em Pentecostes. Para os Santos Padres, o Tempo Pascal é como "um grande Domingo", com duração de cinquenta dias.

 

PERÍCOPES BÍBLICAS DO DOMINGO DA PÁSCOA (ANOS A, B e C)

 

  1. leitura  - At 10,34a.37-43

  Salmo responsorial: 118(117)  

  2. leitura  - Cl 3,1-4

 Evangelho - Jo 20,1-9 (Opção para missas vespertinas:  Lc 24,13-35

João de Araújo

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