O Amém na Liturgia

O SENTIDO ORIGINAL DA PALAVRA AMÉM

 

1 - A palavra Amém é de origem hebraica e conota noções de estabilidade, verdade e firmeza. Na tradição grega, atestada por Justino, a palavra também se firma como auspício, augúrio, desejo, querendo dizer, p. ex., “possa realizar-se tudo o que o sacerdote diz em meu nome”, ou ainda “que assim seja”, como nas orações presidenciais. Mas o sentido primitivo do Amém  é mais de afirmação, como nas expressões “É assim!”, “Isto é plena verdade” etc.. Assim, dizer Amém na hora da comunhão é o mesmo que dizer  “Sim, é o Corpo (e o Sangue) de Cristo que vou receber, eu creio!”.

 

O AMÉM NA ANTIGA ALIANÇA

 

2 - No Antigo Testamento, o Amém revela o ponto culminante de participação efetiva do povo de Israel, seja nos  momentos de oração como nos de bênção. No contexto mais amplo da antiga aliança, respondendo Amém a comunidade ou o fiel se punha por uma asserção positiva sob os sinais então de morte ou de vida, como se vê em Dt 27,12, onde a participação é indicativa de bênção, contrastando com Dt 27,15-26, em que o Amém aparece para confirmar maldições nas transgressões da antiga lei, em aspecto, pois, negativo, dada a situação ainda de aprendizagem, de precariedade espiritual e de figura do povo de Israel. 

 

3 - O Amém na antiga aliança vai aparecer então ora como confirmação de uma bendição, como em Ne 8,6; ora como maldição, como em Dt 27,15-26 e Nm 5,22; ora como de auspício e de súplica, na oração do casal fiel, como em Tb 8,8; ora na confirmação do profeta ao juramento divino, como em Jr 11,5; ou do mesmo profeta referindo-se  à profecia de Hananias a favor do Templo, como em Jr 28,6. Mas o sentido mais pleno do Amém no AT é, sem dúvida, quando aparece concluindo doxologias dos livros do Saltério, bendizendo a Deus, como em Sl 41,14; 72,18-19; 89,53 e 106,48, esta última com claro sentido litúrgico.

O AMÉM NA NOVA ALIANÇA  

4 - Como sabemos, o Novo Testamento adota as bênçãos e doxologias de Israel (cf. Gn 14,19; Sl 41,14), e  a palavra Amém, que conclui as orações presidenciais e as doxologias, vai ter as conotações já acima referidas, mas sem aquele aspecto às vezes  negativo do AT, dada a supremacia da Nova Aliança sobre a antiga.

5 - Podemos dizer então que, se no AT, atingindo claro valor laudatório,  o Amém doxológico aparece em sentido assertivo, na referência a Deus, concluindo doxologias como as que encerram os quatro livros do Saltério, como se descreveu acima,  no Novo Testamento aparece como conclusivo nas doxologias de louvor a Cristo, associado a Deus, como se vê, p. ex.,  em Rm 1,25; 9,5; 11,36; 16,27; 1Cor 14,16; 2Cor 1,20;  Gl 1,5; Ef 3,21; Fl 4,20; 1Tm 1,17; 6,16; 2Tm 4,18; Hb 13,21; 1Pd 4,11; 2Pd 3,18; Jd 25; Ap 1,6-7; 3,14; 5,14; 7,12; 19,4 e 22,20-21, tornando até uma espécie de nome próprio, nome divino,   indicativo então de Jesus, como o Primogênito  dos mortos, o Princípio da criação de Deus, o Príncipe dos reis das terra, a Testemunha fiel e verdadeira das promessas de Deus, como em Ap 3,14. 


O AMÉM NA LITURGIA


6 - O Amém na liturgia deve expressar antes de tudo uma adesão consciente dos fiéis à ação sagrada e aos ritos litúrgicos, ou seja, deve ser uma amostra de participação viva eativa no mistério que se celebra. Não deve parecer, pois, mera conformidade com o que se propõe na celebração, muito menos parecer indiferença frente à liturgia, como às vezes se pode notar em muitas de nossas assembléias, onde o Amém aparece raquítico, frágil, quase inaudível,   sem aquela qualidade aclamativa que o caracteriza. Sabemos também que, felizmente, existem assembléias onde o Amém ressoa em uníssono, o que dá à liturgia um rosto de viva participação, de alegria pascal.

 

7 - Na liturgia, a palavra Amém é sempre aclamação e tanto pode indicar então augúrio, auspício, desejo,  (como no Ato Penitencial, p. ex., quando se diz: “Deus todo-poderoso tenha compaixão de nós...”, a que todos respondem: “Amém”), como pode indicar também, e principalmente, um sentido claro de afirmação: “É verdade”! “É assim mesmo!” “Assim cremos verdadeiramente” etc., como em quase todos os outros momentos litúrgicos. Na conclusão de uma prece litúrgica, o Amém pode então oscilar entre uma conotação afirmativa (“É verdade!”) e uma conotação de augúrio (“Assim seja”).

 

8 - Na aplicação litúrgica, diz Cesare Giraudo: “Respondendo Amém depois que foi pronunciada uma oração presidencial, a assembléia, por meio dessa aclamação, ao mesmo tempo assertiva e augural, faz seu o discurso orante de seu presidente e se associa a ele sem reservas. Daí  fica claro como pronunciar o Amém é tão comprometedor como pronunciar a oração que o Amém confirma. Os mistagogos antigos estavam bem conscientes disso”.

 

9 - Santo Agostinho, falando do Amém, enfatiza a sua qualidade de ratificação do texto orante. Para ele, dizer “Amém” é o mesmo que subscrever um documento, assinando-o e assumindo, juridicamente, toda a responsabilidade pela assinatura, uma vez que  Amém, em latim, significa “verum” (É verdade). Já São Jerônimo, referindo-se a Rm 1,12, onde São Paulo elogia a fé dos romanos, elogia por sua vez o Amém do povo romano, dizendo: “Onde jamais o Amém ribomba semelhante a um trovão do céu e se sacodem os templos vãos dos ídolos senão em Roma”? (Oxalá - dizemos nós -  tenham também hoje os cristãos de Roma um sentido profundo do Amém como os seus antepassados!) E ainda a esse respeito, fazendo proposições de ordem pastoral, Cesare Giraudo, sonhando como bom liturgista,  vai dizer: “Ao concluir a doxologia, é preciso que o celebrante, adequando o tom da voz e o ritmo das palavras, suscite o “Amém” dos fiéis, para que ele possa voltar a ressoar em nossas igrejas, como nos tempos de Jerônimo nas igrejas de Roma”.

 

10 - Em nossas liturgias, mais que na oração judaica (familiar ou sinagogal), podemos dizer, o sentido aclamativo do Amém ganha o seu ápice, pois na Nova Aliança ele se torna ainda mais de valor teológico e litúrgico, não só por seu valor positivo de ratificação de qualquer texto orante, como se vê já nos ensinamentos de Justino, no primeiro século, por exemplo, mas também devido à índole sacerdotal, profética e régia dos cristãos, configurados que estão a Cristo pelo Batismo. Falando do Amém antes da comunhão, São Cirilo de Jerusalém vai dizer: “Quando, pois, te aproximas não andes com as juntas das mãos rígidas, nem com os dedos separados, mas fazendo da esquerda (como) um trono à direita, já que ela está prestes a receber o Rei, e, fazendo côncava a palma da mão, recebe o corpo de Cristo, respondendo: Amém”.

 

11 - Na celebração da Eucaristia, o Amém das orações presidenciais tem mais importância que os demais, sobretudo o conclusivo da Oração Eucarística, na doxologia final, esta como plena glorificação e louvor de Deus, pois a assembléia, com o Amém, ratifica todo o formulário eucarístico recitado pelo presidente (cf. IGMR n. 79h). Também nas demais orações presidenciais, tanto da missa como de outros formulários, a assembléia, com o Amém conclusivo, faz suas as orações recitadas (cf. IGMR 77c, 54 e 89).

 

Notas:

 

1ª) - Nas orações privadas do sacerdote não tem sentido o povo responder  Amém, justamente porque a oração é privada. O que está acontecendo é que o sacerdote não as tem rezado em silêncio ou em voz baixa, dando margem a equívoco litúrgico. Por exemplo: na oração da comunhão do sacerdote, ele diz em voz alta “O corpo (e o sangue) de Cristo me guarde(m) para a vida eterna” (cf. IGMR n. 158), e toda a assembléia, como que distraída ou, pior, mecanicamente,  diz “Amém”, mas não, pois, corretamente. Muitos padres pluralizam o texto, que é privado,  e dizem em voz alta: “O corpo e o sangue de Cristo nos guardem...”, onde a assembléia ainda mais se sente no dever de responder. Na verdade, o povo não pode fazer sua a comunhão do sacerdote. Como se sabe, o  Amém dos fiéis se dará, individualmente, na comunhão de cada um.

 

2ª) - Um outro momento em que isto acontece com frequência é na proclamação do evangelho, onde o sacerdote diz a oração aí prescrita: “Ó Deus todo-poderoso, purificai-me o coração e os lábios, para que eu anuncie dignamente o vosso santo Evangelho” (cf. IGMR n. 132), ou outra semelhante, às vezes de augúrio: “O Senhor esteja em meu coração e em meus lábios...”. A oração é privada, portanto silenciosa, e não pede a resposta do povo. Já o diácono, fazendo o sinal-da-cruz, deve dizer  “Amém” no final da bênção pedida e recebida do sacerdote ou do bispo, para proclamar o Evangelho (cf. IGMR n. 175), confirmando assim a bênção que lhe foi dada pelas palavras “O Senhor esteja em teu coração e em teus lábios...”.

 

BIBLIOGRAFIA

 

- IGMR - Instrução Geral sobre o Missal Romano  

- Ordinário da Missa com o povo

- Num só Corpo (Cesare Giraudo - Loyola)

- Dicionário de Liturgia (Diversos autores - Paulus)

João de Araújo

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