CENTRO DINÂMICO DA EUCARISTIA
1 - Celebrar a Eucaristia é fazer o memorial da morte e ressurreição do Senhor (“Fazei isto em memória de mim”), cumprindo assim a ordem de iteração dada pelo Senhor no Cenáculo. A fé cristã tem na Eucaristia todo o Mistério Pascal de Cristo, acontecimento fundamental de nossa salvação. Nele se encontra, pois, o cerne de nossa profissão de fé, a qual se identifica principalmente como fé trinitária e na ressurreição. Para a importância do Mistério Pascal, a nossa memória deve estar sempre voltada em cada celebração, e é bem provável, talvez, que a tenhamos de educar para tal espiritualidade, que nos é pedida e que de nós é esperada.
2 - A Oração Eucarística, chamada também anáfora, é o coração ou centro dinâmico da Eucaristia e podemos entendê-la como fonte e norma de toda manifestação da Igreja orante. É a mais importante das orações presidenciais e, como as demais, não deve ser entendida como oração do presidente, e sim da Igreja, que reza pela boca do sacerdote, pois o sacerdote, neste momento, é a língua comum da Igreja, como ensinam Teodoro de Mopsuéstia e São João Crisóstomo em suas mistagogias eucarísticas.
3 - Em união espiritual com ele, reza toda a assembleia, em escuta ativa, pois nossos ouvidos materialmente ouvem, mas é nossa boca que teologicamente fala. Há portanto uma diferença na experiência de “escuta” na Liturgia e que seria bom que a assembleia assimilasse: na Liturgia da Palavra, quem fala é Deus, pela boca do leitor, e nós ouvimos, em “escuta receptiva”. Já na Liturgia Eucarística, quem fala somos nós, a Igreja, pela voz do sacerdote, e os ouvidos de Deus ouvem. Escutamos, sim, a voz do sacerdote, mas como “nossa própria voz”, que podemos chamar então de “escuta ativa”.
4 - Na celebração da Eucaristia tem lugar, pois, de destaque a Oração Eucarística, e por esta a Igreja, como povo de Deus e como comunidade de batizados, não só professa a sua fé eucarística, mas também manifesta sua compreensão mais nítida do mistério cristão, pois as orações eucarísticas, com suas raízes judaicas, são um tesouro da eucologia cristã. Elas refletem a fé da Igreja, ao mesmo tempo rezada e crida. São a “Lex orandi” a serviço da “Lex credendi”, ou seja, a norma da oração instruindo a norma da fé, como aconteceu nos primeiros séculos da Igreja, sobretudo no exemplo efetivo dos Santos Padres.
5 - Toda a Oração Eucarística nos mostra o memorial do Senhor envolto em louvor e proclamação. Assim, “desde o prefácio até a doxologia final confessamos a grandeza e a proximidade de Deus”, e na confissão humilde de nossa fragilidade, aprendemos a dar prioridade às iniciativas de Deus, e não às nossas próprias forças. Em tais orações, e com mais precisão nas orientais, encontramos, quase sempre, em seus primeiros elementos, uma descrição pormenorizada das maravilhas de Deus ao longo da história da salvação, culminando com a nova aliança em Cristo Jesus.
6 - No corpo da Oração Eucarística, mais precisamente no Prefácio e no Pós-Sanctus, entendidos aqui como elementos da seção anamnética, antes, pois, da Consagração, vemos então a Eucaristia lida, no seu significado mais profundo, à luz da história das alianças. Nas do Ocidente, destaca-se a IV Oração Eucarística, tanto em memória salvífica quanto em cristologia histórica, como se verá mais adiante, no exemplo examinado neste trabalho.
ORAÇÕES EUCARÍSTICAS DA IGREJA LATINA
7 - Possui a Igreja latina 14 orações eucarísticas: o Cânon Romano, primeira oração, que vigorou na Igreja desde o século IV; as três novas (II, III e IV), que o missal de Paulo VI colocou, em 1968, ao lado do Cânon Romano; a V oração, que nasceu do Congresso Eucarístico de Manaus; a VI, “para várias circunstâncias”, do Sínodo Suíço, que, com relação ao prefácio e à primeira intercessão, comporta quatro variantes, com títulos próprios (I - A Igreja a caminho da unidade; II - Deus conduz sua Igreja pelo caminho da salvação; III - Jesus, caminho para o Pai; e IV - Jesus, que passa fazendo o bem. No Missal, tais orações vêm assim numeradas: VI-A, VI-B, VI-C e VI-D). Finalmente, duas orações sobre reconciliação (I e II), publicadas em 1975, por ocasião do Ano Santo; e três para missas com crianças (I, II e III), publicadas em 1974.
8 - A Oração Eucarística I (Cânon Romano) tem características próprias: antes de tudo, sua antiguidade, pois vigorou na Igreja latina, sozinha, por 16 séculos. A exemplo da III, é de prefácio variável e traz dupla intercessão: uma na primeira parte (pelos vivos), e outra, na segunda (pelos mortos). Além disso, enumera duas listas de santos: uma, antes do relato; e outra, depois. Como marcas menos felizes, podemos observar: a) não tem ela o Pós-Sanctus b) as intercessões, em duas partes, levam à ausência de lógica dinâmica c) a falta de teologia do Espírito Santo (o Espírito não é nela nomeado explicitamente, como nas orientais e nas novas orações); d) a ausência nela de uma história de salvação, como recordação das maravilhas de Deus. A II Oração, embora tenha prefácio próprio, admite outros prefácios, quando oportuno.
ELEMENTOS ESTRUTURAIS DA ORAÇÃO EUCARÍSTICA
9 - Podemos dizer que todas as Orações Eucarísticas têm uma estrutura literária em nove elementos, como referidos abaixo, exceto o Cânon Romano, que não tem o “Pós-Sanctus”. Na dinâmica litúrgica, os elementos literários se articulam, favorecendo uma compreensão mais teológica também de toda a oração eucarística, levando então a uma participação mais consciente e frutuosa na celebração, como se verá nos comentários finais.
10 - O estudo da Oração Eucarística, no todo de sua estrutura literária e teológica, nos liberta da visão redutiva ao momento da consagração, como muito acontece. Ao afirmarmos a importância da consagração, como ponto culminante da Oração Eucarística, somos convidados também a descobrir de novo o valor dos outros elementos da oração e a ministerialidade litúrgica de suas articulações.
11 - Quando tal acontece, não só valorizamos todo o momento da liturgia eucarística, mas tomamos consciência também do valor da Mesa da Palavra, p. ex., já celebrando aí a presença do Senhor como Palavra salvadora, a qual vai ainda mais nos ajudar a compreender, viver e celebrar a Oração Eucarística, chegando então à participação mais plena que é a comunhão sacramental do Corpo e do Sangue do Senhor.
12 - Como exemplo prático, visando uma pequena compreensão da Oração Eucarística, damos a seguir as nove elementos literários, com a respectiva numeração entre parênteses e, depois, servindo-nos do texto da Oração Eucarística IV, tentaremos um estudo de seu conteúdo, estudo simples, é claro, dada a nossa limitação.
O texto da prece eucarística será colocado com o número de seus elementos estruturais e no final será feito então um pequeno comentário de cada elemento. Os nove elementos estruturais são assim colocados:
(1) Prefácio
(2) Santo
(3) Pós-Sanctus
(4) Epiclese sobre os dons
(5) Consagração (relato institucional)
(6) Anamnese-Ofertório
(7) Epiclese sobre os comungantes
(8) Intercessões e
(9) Doxologia, com o Amém final.
13 - As orações eucarísticas são também, universalmente, de estrutura bipartida, com duas seções, uma anamnética, ou seja, onde o relato institucional se faz presente na parte histórica do formulário, e outra epiclética, isto é, onde o relato se encontra na parte alusiva ao pedido orante. Por isso se fala de duas dinâmicas: a anamnética e a epiclética. Não se trata aqui de “tecnicismo litúrgico”, mas de esforço didático para a compreensão fiel do mistério eucarístico. As orações eucarísticas do rito latino são de dinâmica epiclética, mas há duas de rito ambrosiano e outra de tradição hispânica que são de dinâmica anamnética. As orientais encontram-se nas duas dinâmicas.
14 - Lembremo-nos ainda de que o invitatório, isto é, o convite que nos é feito antes da Oração Eucarística, para que dela participemos ainda mais vivamente, é de grande importância. Segundo o ensinamento de Teodoro de Mopsuéstia, é preciso, pois, que o Senhor esteja entre nós, que tenhamos o coração em Deus e que a Ele demos graças como nosso dever e salvação. Um coração, pois, ainda na terra, rastejante, não teria como entender o mistério sublime que então vai-se iniciar. Por isso, “até o final da prece eucarística não se permitirá a ninguém relaxar a orientação do coração ao divino”.
O TEXTO DA ORAÇÃO EUCARÍSTICA IV
15 - Como foi dito no nº 9 deste trabalho, agora é transcrito o texto da Oração Eucarística nº IV, com seus elementos estruturais lá identificados numericamente. Eis, pois, o texto completo:
(1) Na verdade, ó Pai, é nosso dever dar-vos graças, é nossa salvação dar-vos glória: só vós sois o Deus vivo e verdadeiro que existis antes de todo o tempo e permaneceis para sempre, habitando em luz inacessível. Mas, porque sois o Deus de bondade e a fonte da vida, fizestes todas as coisas para cobrir de bênçãos as vossas criaturas e a muitos alegrar com a vossa luz.
T - Alegrai-nos, ó Pai, com a vossa luz!
Eis, pois, diante de vós todos os Anjos que vos servem e glorificam sem cessar, contemplando a vossa glória. Com eles também nós, e, por nossa voz, tudo o que criastes, celebramos o vosso nome, cantando (dizendo) a uma só voz:
(2) Santo, Santo, Santo, Senhor Deus do universo! O céu e a terra proclamam a vossa glória. Hosana nas alturas! Bendito o que vem em nome do Senhor! Hosana nas alturas!
(3) Nós proclamamos a vossa grandeza, Pai santo, a sabedoria e o amor com que fizestes todas as coisas: criastes o homem e a mulher à vossa imagem e lhes confiastes todo o universo, para que, servindo a vós, seu Criador, dominassem toda criatura. E quando pela desobediência perderam a vossa amizade, não os abandonastes ao poder da morte, mas a todos socorrestes com bondade, para que, ao procurar-vos, vos pudessem encontrar.
T - Socorrei, com bondade, os que vos buscam!
E, ainda mais, oferecestes muitas vezes aliança aos homens e mulheres e os instruístes pelos profetas na esperança da salvação. E de tal modo, Pai santo, amastes o mundo que, chegada a plenitude dos tempos, nos enviastes vosso próprio Filho para ser o nosso Salvador.
T - Por amor nos enviastes vosso Filho!
Verdadeiro homem, concebido do Espírito Santo e nascido da Virgem Maria, viveu em tudo a condição humana, menos o pecado, anunciou aos pobres a salvação, aos oprimidos a liberdade, aos tristes a alegria. E para realizar o vosso plano de amor, entregou-se à morte e, ressuscitando dos mortos, venceu a morte e renovou a vida.
T - Jesus Cristo deu-nos vida por sua morte!
E, a fim de não mais vivermos para nós, mas para ele, que por nós morreu e ressuscitou, enviou de vós, ó Pai, o Espírito Santo, como primeiro dom aos vossos fiéis para santificar todas as coisas, levando à plenitude a sua obra.
T - Santificai-nos pelo dom do vosso Espírito!
(4) Por isso, nós vos pedimos que o mesmo Espírito Santo santifique estas oferendas, a fim de que se tornem o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo, vosso Filho e Senhor nosso, para celebrarmos este grande mistério que ele nos deixou em sinal da eterna aliança.
T - Santificai nossa oferenda pelo Espírito!
(5) Quando, pois, chegou a hora em que por vós, ó Pai, ia ser glorificado, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim. Enquanto ceavam, ele tomou o pão, deu graças e o partiu e deu a seus discípulos, dizendo: Tomai, todos, e comei: isto é o meu Corpo, que será entregue por vós.
Do mesmo modo, ele tomou em suas mãos o cálice com vinho, deu graças novamente, e o deu a seus discípulos, dizendo: Tomai, todos, e bebei: este é o cálice do meu Sangue, o Sangue da nova e eterna aliança, que será derramado por vós e por todos para remissão dos pecados. Fazei isto em memória de mim.
(Eis o mistério da fé!)
T - Anunciamos... ou: Todas as vezes... ou ainda: Salvador do mundo...
(6) Celebrando agora, ó Pai, a memória de nossa redenção, anunciamos a morte de Cristo e sua descida entre os mortos, proclamamos a sua ressurreição e ascensão à vossa direita e, esperando a sua vinda gloriosa, nós vos oferecemos o seu Corpo e Sangue, sacrifício do vosso agrado e salvação do mundo inteiro.
T - Recebei, ó Senhor, a nossa oferta!
(7) Olhai, com bondade, o sacrifício que destes à vossa Igreja e concedei aos que vamos participar do mesmo pão e do mesmo cálice que, reunidos pelo Espírito Santo num só corpo, nos tornemos em Cristo um sacrifício vivo para o louvor de vossa glória.
T - Fazei de nós um sacrifício de louvor!
(8) E agora, ó Pai, lembrai-vos de todos pelos quais vos oferecemos este sacrifício: o vosso servo o Papa N, o nosso bispo N, os bispos do mundo inteiro, os presbíteros e todos os ministros, os fiéis que, em torno deste altar, vos oferecem este sacrifício, o povo que vos pertence e todos aqueles que vos procuram de coração sincero.
T - Lembrai-vos, ó Pai, de vossos filhos!
Lembrai-vos também dos que morreram na paz do vosso Cristo e de todos os mortos dos quais só vós conhecestes a fé.
T - A todos saciai com vossa glória!
E a todos nós, vossos filhos e filhas, concedei, ó Pai de bondade, que, com a Virgem Maria, mãe de Deus, com os apóstolos e todos os santos, possamos alcançar a herança eterna no vosso reino, onde, com todas as criaturas, libertas da corrupção do pecado e da morte, vos glorificaremos por Cristo, Senhor nosso.
T - Concedei-nos o convívio dos eleitos!
Por ele dais ao mundo todo o bem e toda a graça.
(9) Por Cristo, com Cristo, em Cristo, a vós, Deus Pai todo-poderoso, na unidade da Espírito
Santo, toda a honra e toda a glória, agora e para sempre.
T - Amém!
PEQUENO COMENTÁRIO DOS ELEMENTOS ESTRUTURAIS
13 - Após a transcrição do texto da Oração Eucarística IV, com a numeração de seus elementos estruturais, agora propomos um pequeno estudo de seus elementos, mas já afirmando antes que tais considerações darão apenas uma simples noção da verdadeira riqueza da Oração Eucarística, uma simples introdução, que poderá será encontrada mais clara, concisa e de melhor qualidade catequética em outros trabalhos de autores autorizados. Vejamos então:
(1) Prefácio
No prefácio da Oração Eucarística IV predomina o tema da luz, que é caro à espiritualidade do Novo Testamento. (“Eu sou a luz do mundo”, disse Jesus, como em Jo 8,12). Embora habitando numa luz inacessível, Deus, cumulando de bênçãos as criaturas, quis alegrá-las também com o clarão de sua luz. O Prefácio vai então proclamando a glória de Deus e, numa angelologia sóbria, introduz o canto do Santo.
(2) Santo
Esta viva aclamação, que une as duas assembleias (terrestre e celeste), é uma combinação de textos bíblicos: de Isaías, do Apocalipse, de Ezequiel, do salmo e do próprio evangelho. De Isaías (Is 6,3) e do Apocalipse (Ap 4,8), temos o louvor dos serafins, no triságio conhecido (Santo, Santo, Santo...); de Ezequiel (Ez 3,12), o bendito dos querubins; do salmo (Sl 118[117],26a ) e do evangelho (Mt 21,9), a louvação ao Messias, como na entrada triunfal em Jerusalém.
Por causa de sua importância litúrgica, o Santo deve sempre ser cantado. No Santo, contemplamos a Igreja orante e no louvor divino, em sua tríplice dimensão: peregrina, triunfante e padecente, daí seu grande valor litúrgico. Em síntese, é uma proclamação da santidade de Deus, já reconhecida e confessada no Prefácio e prolongada no Pós-Sanctus. Por causa de sua natureza bíblica, não se deve parafrasear o texto do Santo.
(3) Pós-Sanctus
É um dos textos mais ricos das orações eucarísticas latinas, dada a sua profundidade histórico-salvífica. Depois de falar da criação e de sua queda, passa à história da aliança com o povo de Israel, mediante a instrução por meio dos profetas. Dessa memória feliz passa à anamnese do Novo Testamento, com a rica cristologia histórica, da encarnação a Pentecostes. Como se vê, o Pós-Sanctus prolonga o louvor do Santo, enfatizando também a santidade de Deus, como no texto da Oração Eucarística II, que diz: “Na verdade, ó Pai, vós sois santo e fonte de toda santidade...”
(4) Epiclese sobre os dons (1ª invocação do Espírito Santo)
A invocação do Espírito Santo, para santificação dos dons, aqui é acompanhada do sentido do mistério, deixado por Cristo como aliança eterna. Os cristãos orientais enfatizam muito esse momento da prece eucarística, dada a sua dimensão pneumatológica. Não nos esqueçamos de que esta primeira invocação está ordenada à segunda, que virá após a consagração.
Por isso dizemos que esses dois momentos se articulam, formando quase um só momento, como acontece em algumas orações orientais, pois os dons do pão e do vinho, transubstanciados, vamos comungar depois, sacramentalmente, para sermos o Corpo vivo de Cristo, o corpo eclesial, como vai pedir então a segunda epiclese, como se dirá depois.
(5) Relato institucional - Consagração
No texto está introduzida uma nota que é característica de São João: “Quando, pois, chegou a hora em que por vós, ó Pai, ia ser glorificado, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Cf. Jo 13,1-2). O relato assim colocado liga a Eucaristia ao sacrifício da Cruz, este em reapresentação sacramental, não, pois, numa situação “dolorística”, diríamos, mas numa dinâmica então “eucarística”, isto é, de ação de graças. Cesare Giraudo analisa o relato como “lugar teológico escriturístico”, embolismo então inserido na Oração Eucarística para fundamentar bíblica e teologicamente a ação consecratória, fazendo o memorial do Senhor.
A monição “Eis o mistério da fé” , antes, no cânon romano, ficava dentro do relato, sem, pois, clareza e razão litúrgica. A pedido do episcopado, foi deslocado para o fim, como se vê então em todas as outras anáforas. Fica melhor, porém, em função diaconal, e não presidencial, como ainda acontece. Na função presidencial, destoa de todo o formulário da Oração Eucarística, inclusive quanto à sua entonação.
A aclamação memorial, aqui feita pela assembleia, principalmente a primeira (“Anunciamos, Senhor, a vossa morte ...”), é de grande valor litúrgico, dado o seu claro sentido pascal e memorial com relação à Eucaristia, além de exprimir a tensão escatológica no tocante à vinda gloriosa do Senhor. A terceira aclamação proposta é mais fraca, por ser mais enunciativa do que aclamativa.
(6) Anamnese-Ofertorial - (O momento do verdadeiro ofertório na Missa)
O relato institucional se prolonga na anamnese, esta inseparavelmente unida a ele, como em todas as orações eucarísticas, como que por ele atraída, podemos dizer, pois a memória da morte e ressurreição do Senhor vai levar a Igreja, liturgicamente, ao oferecimento de seu Corpo e de seu Sangue. Eis, portanto, neste momento, o verdadeiro ofertório: de Cristo, da Igreja e de cada fiel.
Apresentando ao Pai o sacrifício de Cristo, a Igreja, na qualidade de comunidade sacerdotal, vai também oferecer-se a si mesma como oferenda viva (cf. Rm 12,1), unida ao sacrifício de Cristo. Portanto, ela oferece e se oferece, apresenta o Dom (sacrifício de Cristo) e se apresenta como dom. Respondendo “Recebei, ó Senhor, a nossa oferta!”, a assembleia não está se referindo aos dons materiais, da coleta, p. ex., mas a si mesma, como hóstia viva.
(7) Segunda epiclese (Outros nomes: epiclese dos comungantes, epiclese de comunhão, epiclese escatológica)
É louvável a petição “fazei que reunidos pelo Espírito Santo num só corpo nos tornemos em Cristo um sacrifício vivo, para o louvor de vossa glória”, como também a variedade de textos das outras orações, com o mesmo conteúdo teológico e com o mesmo objetivo: formar o Corpo eclesial do Senhor, como tanto insiste São Paulo (cf. 1Cor 10,16; Ef 3,6). É lamentável que essa segunda epiclese, para a qual está direcionada a primeira, não receba, na catequese e na prática litúrgica, a mesma importância, pois na verdade, comungando sacramentalmente, somos também transubstanciados.
Daí, a necessária formação de nosso povo, para que não comungue depois só às vezes com motivo devocional, como muito acontece, onde a presença do Senhor nos dons do pão e do vinho se limita então a uma presença estática, mas comungue sim com razão litúrgica e teológica, professando a fé no Cristo vivo e ressuscitado, numa presença então entre nós dinâmica e sacramental, onde a Eucaristia se manifesta como fonte de compromisso libertador e de vida missionária.
(8) Intercessões
As intercessões são um prolongamento da segunda epiclese, no desejo de que todos sejam atingidos pela mesma eficácia do sacramento. Aqui está presente a Igreja em sua tríplice dimensão: peregrina, padecente e triunfante, como aconteceu também no louvor do Santo. Assim, pede-se pelos presentes, pelos comungantes, mas também pelos ausentes e pelos falecidos a mesma graça da celebração. Inseridas no corpo da Oração Eucarística - é bom saber - as intercessões estão num grau superior ao das preces dos fiéis que encerram a Liturgia da Palavra, inclusive pelo seu tom litúrgico.
(9) Doxologia e Amém Final
A Doxologia retoma o louvor inicial do prefácio, culminando na mediação de Cristo, ao mesmo tempo ascendente e descendente. É de natureza presidencial e supõe o Amém consciente da assembleia. Este grande Amém, como é chamado, ratifica toda a Oração Eucarística, e está no mesmo grau de sua importância litúrgica. Portanto, na celebração, nada de estender a recitação da Doxologia à assembleia, querendo, talvez, valorizá-la, como acontece em algumas comunidades.
Pronunciar o Amém é tão comprometedor quanto recitar a Oração Eucarística. Já do século II, vem-nos o testemunho de Justino: “tendo o presidente terminado as orações e ação de graças, todo o povo presente aclama dizendo: Amém”. Para Justino, “Amém” significa “assim seja”. Melhor seria “assim é”, ou “é isso mesmo”, com sentido mais afirmativo do que de augúrio. Para Santo Agostinho, dizer “Amém” é como apor a assinatura num documento, dando-lhe portanto validade jurídica. O Amém do povo cristão às orações presidenciais, principalmente o Amém final da Oração Eucarística, tem valor mais que jurídico, pois traz em si valor profundamente teológico.
CONCLUSÃO
14 - Pelo que foi exposto nesse pequeno estudo da Oração Eucarística, podemos concluir que é necessária uma convergência de trabalhos pastorais para que a assembleia viva e celebre a Eucaristia com mais profundidade, sobretudo com a atenção que se deve dar à prece eucarística. Na prática litúrgica notamos que é preciso:
a) - Variedade, ou seja, não usar sempre a mesma oração, quando a Liturgia permite variação;
b) - Nas orações de prefácios móveis (I e III), escolher prefácios também mais adequados ao sentido da festa ou do tempo litúrgico;
c) - Boa proclamação do presidente, evitando monições durante a recitação e mantendo a mesma entonação em toda a prece. É desejável também que a Oração Eucarística seja cantada pelo presidente.
d) - Incentivar o canto das aclamações pela assembleia, evitando repetição. Mesmo que o presidente não cante o texto que lhe é próprio, nada impede que a assembleia cante as aclamações. O presidente não participa das aclamações, pois estas são próprias da assembleia.
e) - Evitar, por parte do povo, seguir o texto em folhetos ou mesmo em livros (a exemplo do que também é proposto e ensinado para a Liturgia da Palavra), uma vez que aqui se trata daquela escuta ativa, de que falamos: “nossos ouvidos materialmente ouvem, mas é nossa boca que teologicamente fala”;
f) - E, sobretudo, uma boa catequese contínua, a fim de que, no protagonismo celebrativo de toda a comunidade sacerdotal, vá ela então sendo cada vez mais formada como o Corpo místico, escatológico e eclesial de Cristo.
15 - O trabalho, pois, aqui apresentado não poderá de forma alguma ser considerado suficiente. É apenas uma pequena amostra da grande riqueza eucológica das orações eucarísticas, tomando como exemplo apenas uma delas e ainda nas considerações limitadas do Autor. No oceano imenso dessa indescritível riqueza espiritual e teológica estão as outras orações eucarísticas, tanto as de rito latino, como as orientais, estas às vezes superando as do Ocidente em graus diversos, ora em riqueza teológica, ora em riqueza poética e laudatória. Finalmente, se este estudo puder ser considerado uma pequena gota do oceano imenso das maravilhas de Deus, que a Liturgia celebra, sobretudo na Eucaristia, sinto-me totalmente recompensado e feliz.
BIBLIOGRAFIA
- Num só Corpo (Cesare Giraudo - Loyola)
- Redescobrindo a Eucaristia (Cesare Giraudo - Loyola)
- A Eucaristia (José Aldazábal - Vozes)
- A Celebração na Igreja - Vol. 3 - (Diversos autores - Vozes)
- Missal Romano
- Catecismo da Igreja Católica
João de Araújo